No Brasil, o insucesso empresarial ainda é um tabu, com poucos empresários dispostos a admitir as dificuldades enfrentadas ou a compartilhar os erros que levaram sua empresa à bancarrota. Em contrapartida, em países como os Estados Unidos, onde a cultura empreendedora é robusta, a falência não é vista como motivo de vergonha, pois muitas vezes é através da tomada de riscos que se alcançam os melhores resultados. Devido a essa mentalidade, é comum que os americanos, ao se encontrarem em dificuldades financeiras, optam por pedir falência para liquidar suas dívidas, e até mesmo solicitem falência pessoal, contando com uma variedade de mecanismos que visam à recuperação financeira do indivíduo.
O processo de falência permite que o empreendedor recomece sua vida financeira e volte a girar a roda da economia, gerando novos negócios e empregos, que acabam compensando os prejuízos gerados pelos insucessos anteriores.
Por aqui, “quebrar” uma empresa é considerado humilhante, e poucos empresários voltam a empreender, especialmente pela dificuldade de recuperação do crédito perdido. Isso ocorre porque o processo falimentar no Brasil é burocrático e custoso, especialmente para as empresas de menor porte. Por essa razão, quando se verifica que não há possibilidade de continuidade da empresa, costuma-se encerrar informalmente suas atividades, o que, no entanto, deixa para trás um passivo que coloca em risco o patrimônio pessoal dos sócios.
Na esfera trabalhista, como as verbas possuem natureza alimentar, esse passivo pode atingir o patrimônio dos sócios ao ser aplicada a chamada “teoria menor”, que preconiza que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a terceiros. Nesse caso, a comprovação da insuficiência de recursos da sociedade empresária já caracterizaria o obstáculo à satisfação do crédito trabalhista e autoriza o redirecionamento da execução para os sócios, tanto administradores quanto cotistas.
Na seara tributária, o encerramento informal das atividades, com fechamento do estabelecimento sem as devidas baixas nos órgãos públicos (Receita Federal, Fazendas Estaduais e Municipais), gera presunção de encerramento irregular das atividades, com consequente responsabilização dos administradores pelo pagamento dos tributos inadimplidos, com fundamento no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Tal questão foi sumulada pelo STJ (Súmula 475).
Na esfera civil, o STJ tem sustentado a posição de que a ausência de bens penhoráveis da empresa e/ou o encerramento de suas atividades irregularmente não justificam o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, porque não configurariam, por si só, abuso da estrutura jurídica, desvio de propósito ou confusão entre os patrimônios da empresa e dos sócios, que são os requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil para fundamentar pedidos dessa natureza.
Não obstante, em agosto de 2023, o STJ qualificou dois Recursos Especiais (REsp 1873187/SP e REsp 1873811/SP) como representativos da controvérsia por ter identificado “potencial de repetitividade ou relevante questão de direito, de grande repercussão social, aptas a serem submetidas ao Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos”.
Nos referidos recursos (Tema Repetitivo 1210), tal posicionamento pode ser revisto, reconhecendo que o “abandono” de atividades empresariais, sem o correto encerramento e liquidação da empresa, justificaria a responsabilização dos sócios administradores pelas dívidas civis, havendo grande expectativa, especialmente no meio empresarial, acerca do desfecho desse tema.
É diante desse contexto que a falência surge como uma alternativa de proteção do patrimônio dos sócios, quando verificado que não há mais possibilidade de manter a atividade empresarial.
Na doutrina de Fábio Ulhôa Coelho, a falência seria “o processo judicial de execução concursal do patrimônio do devedor empresário, que normalmente é uma pessoa jurídica revestida da forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada ou anônima”.
Segundo o artigo 75 da Lei 11.101/2005: “A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.”
Com a decretação da falência, inicia-se o processo de execução concursal do patrimônio da sociedade falida, que pode ser resumido nos seguintes passos: habilitação dos credores; classificação dos créditos; apuração do ativo; liquidação deste por meio de leilão dos bens que o compõe; pagamento dos credores extraconcursais e privilegiados; e, por fim, restando algum valor, pagamento dos credores quirografários.
Em seu artigo 82, a lei de falências prevê que: “A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.”
Ocorre que, para apuração de responsabilidade dos sócios, o juízo falimentar deverá observar a legislação aplicável a cada uma das esferas citadas no presente texto.
Assim, com base no que foi apresentado, temos as seguintes considerações:
- Na esfera trabalhista, conforme já exposto, o procedimento falimentar não traria qualquer vantagem, posto que não impediria a responsabilização dos sócios pelos débitos inadimplidos.
- Na esfera tributária, o entendimento jurisprudencial preponderante do STJ é que: “a falência não configura modo irregular de dissolução de sociedade, pois, além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar compromissos assumidos. (…) Com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração à lei, contrato social ou estatutos.”
- Na esfera civil, por sua vez, e como já exposto, o STJ afetou a matéria (Tema Repetitivo 1210) para definir se o “abandono” de atividades empresariais, sem a correta liquidação da empresa, justificaria a responsabilização dos sócios administradores pelas dívidas civis, havendo risco de mudança no entendimento atualmente adotado.
De toda forma, aqueles que optarem pelo processo de falência estarão protegidos da responsabilização pessoal pelas dívidas civis da empresa, independentemente do resultado do julgamento do Tema Repetitivo 1210.
Portanto, considerando que a falência representa uma alternativa legal de encerramento das atividades empresariais, em circunstâncias normais, sem que tenham sido praticados atos com excesso de poder, infração de lei, contrato social ou estatutos, conclui-se que ela representa uma importante alternativa de proteção do patrimônio dos sócios contra dívidas de natureza tributária e civil.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.