- O Contrato de Corretagem no Cenário Jurídico Brasileiro
O mercado imobiliário desempenha um papel de inegável proeminência na estrutura econômica do Brasil, funcionando como um dos principais motores do desenvolvimento, da geração de empregos e da circulação de riquezas.
Nesse mercado, o corretor de imóveis emerge como um agente fundamental, um profissional cuja expertise e atuação são indispensáveis para conectar interesses e viabilizar a concretização de negócios que, de outra forma, poderiam jamais se materializar.
A relevância dessa atividade é tamanha que o legislador pátrio dedicou especial atenção à sua disciplina, notadamente no Código Civil, que estrutura os direitos e deveres inerentes a essa relação contratual.
O presente artigo jurídico se propõe a trazer um breve estudo do tema, com especial ênfase ao princípio do resultado útil, que fundamentou recente julgado da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 2.165.921/SP).
Na referida decisão, a Terceira Turma do STJ concluiu que a comissão deve incidir sobre o valor total do negócio concretizado, desde que a atuação inicial do corretor tenha sido a causa eficiente para a aproximação das partes e a consequente celebração do contrato.
A turma concluiu que o direito à comissão nasce quando a atividade de aproximação se mostra eficaz e suficiente para que as partes alcancem um consenso, ainda que o negócio venha a ser formalizado posteriormente ou com condições distintas das inicialmente propostas.
Ficou assentado que se remunera, em essência, a utilidade da atuação do corretor para a concretização do negócio, de modo que a dispensa ou o afastamento do intermediário após a aproximação útil das partes não teria o condão de exonerar o comitente da obrigação de pagar a comissão.
- Natureza Jurídica do Contrato de Corretagem
O contrato de corretagem está previsto no Código Civil de 2002, em seus artigos 722 a 729. Consoante o disposto no artigo 722, por meio deste pacto, “uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
O próprio texto legal já evidencia a essência da atividade: intermediação. O corretor é, por natureza, um intermediário independente que atua com o objetivo de aproximar pessoas com interesses em comum, facilitando a conclusão de negócios jurídicos.
Trata-se de um contrato bilateral, consensual e oneroso. Ao corretor incumbem os deveres de diligência e prudência, devendo executar sua mediação com o zelo que a natureza do negócio requer.
Além disso, recai sobre ele um dever fundamental: o de prestar ao comitente todos os esclarecimentos acerca da segurança e do risco do negócio, bem como de informá-lo sobre o andamento das tratativas e quaisquer alterações que possam influenciar o resultado.
Em contrapartida, a obrigação principal do comitente é efetuar o pagamento da comissão, desde que satisfeita a condição para sua exigibilidade, e de fornecer ao corretor as informações necessárias para o bom desempenho de seu trabalho, não praticando atos que visem frustrar a mediação para se eximir do pagamento devido.
III. O Princípio do Resultado Útil como Base da Remuneração do Corretor
O alicerce do direito à comissão de corretagem é o princípio do resultado útil, o qual está expresso no artigo 725 do Código Civil.
Referido artigo estabelece que “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes”.
A interpretação dele revela a natureza finalística da obrigação do corretor. Não se remunera o trabalho em si, a quantidade de horas dedicadas, o número de visitas realizadas ou as propostas apresentadas.
O que se paga é a eficácia da intermediação, a capacidade da atuação do corretor de produzir um efeito concreto e benéfico para o comitente, qual seja, a conclusão do negócio pretendido ou, no mínimo, a criação de um vínculo obrigacional sólido entre os negociantes.
Para que a comissão seja devida, é imperativo que a atividade do corretor seja a causa eficiente, o fator determinante que leva os interessados a alcançarem um acordo sobre os elementos essenciais do negócio jurídico.
Trata-se, portanto, de uma clássica obrigação de resultado, em oposição a uma obrigação de meio.
Enquanto nesta última o devedor se exime da responsabilidade provando que agiu com a diligência e a técnica adequadas, ainda que o objetivo final não tenha sido atingido, na primeira – a obrigação de resultado – a remuneração só é devida com a efetiva obtenção daquilo que foi prometido.
No contexto da corretagem, o resultado prometido é a aproximação eficaz que possibilite a celebração do contrato principal (compra e venda, locação etc.). O simples esforço, por mais louvável que seja, não gera, por si só, o direito à comissão.
A análise do nexo de causalidade entre a atuação do corretor e a conclusão do negócio é, por conseguinte, o ponto central da questão.
É necessário demonstrar que a transação foi fruto direto da aproximação promovida pelo intermediário. O afastamento do corretor das negociações finais ou a sua exclusão da assinatura do instrumento contratual não são, isoladamente, suficientes para romper esse nexo causal.
Se a intervenção inicial dele foi o elemento efetivo que colocou as partes em contato e permitiu que as negociações evoluíssem até um ponto de consenso, considera-se que o resultado útil foi alcançado.
A posterior formalização do negócio diretamente entre as partes, manobra que às vezes é utilizada para tentar evitar o pagamento da comissão, não desconstitui o direito do corretor e se configura como uma conduta que viola a boa-fé objetiva e que, se tolerada, levaria ao enriquecimento sem causa do comitente.
O Código Civil, por meio do artigo 725, também resguarda o direito do corretor na hipótese de arrependimento das partes. Se o trabalho de mediação foi concluído com sucesso e as partes chegaram a um acordo de vontades, manifestado de forma inequívoca, a comissão será devida ainda que, posteriormente, uma ou ambas decidam não formalizar o negócio.
Nesse caso, o resultado útil da corretagem – a aproximação eficaz que gerou o consenso – foi plenamente atingido. O arrependimento posterior dos contratantes não pode penalizar o corretor, que cumpriu sua parte na avença.
Distinta é a situação em que o negócio não se concretiza por razões alheias à vontade das partes, como a descoberta de um impedimento legal, a impossibilidade de obtenção de financiamento ou a irregularidade da documentação do imóvel.
Nesses casos, por não ter havido a formação de um acordo válido e eficaz, o resultado útil não se implementa, e a comissão, em regra, não é devida.
IV. A Expansão do Objeto Contratual e a Aplicação Extensiva do Resultado Útil
Um cenário de particular interesse para a aplicação do princípio do resultado útil ocorre quando a negociação, iniciada com base em um escopo determinado, evolui para a celebração de um contrato cujo objeto é significativamente mais amplo.
Tomemos como exemplo a situação fática ocorrida no caso julgado pelo STJ mencionado anteriormente, em que um corretor é contratado para mediar a venda de uma fração de um terreno, com uma área específica, e, após promover a aproximação entre o vendedor e um potencial comprador, as partes acabam por celebrar um contrato de compra e venda que abrange a totalidade do imóvel, uma área substancialmente maior, registrada sob uma única matrícula.
A controvérsia que emergiu foi sobre qual valor a comissão de corretagem deveria incidir: o valor correspondente à fração inicialmente ofertada ou o valor total do negócio efetivamente concretizado?
A resposta dada àquele caso, sob a ótica do princípio do resultado útil e do nexo de causalidade, apontou para a segunda opção.
A atuação do corretor, ao apresentar o imóvel e o seu proprietário ao interessado, funcionou como o catalisador que não apenas iniciou, mas viabilizou toda a negociação subsequente.
Quando o imóvel constitui um corpo certo e único, como um terreno registrado sob uma matrícula individualizada, a prospecção de uma parte dele inevitavelmente abre a porta para a negociação do todo e, como no caso julgado, a intermediação originária pode se expandir e frutificar, resultando em um negócio mais vantajoso para todos os envolvidos.
Essa aproximação inicial, portanto, não pode ser vista de forma fragmentada, como se seu efeito útil se esgotasse nos limites da oferta original.
Restringir a base de cálculo da comissão à área inicialmente prospectada significaria, em essência, desvalorizar o trabalho fundamental de aproximação e intermediação realizado pelo corretor.
O que se remunera, vale repetir, é a utilidade da aproximação, e essa utilidade deve ser medida pelo negócio que dela efetivamente decorreu.
Portanto, a correta interpretação da legislação civil feita pelo STJ é de que a base de cálculo da comissão de corretagem deve ser o valor final e total do negócio jurídico concretizado, desde que permaneça válido o nexo de causalidade entre a intermediação inicial e o resultado alcançado.
A ampliação do objeto do contrato durante as negociações não rompe esse elo causal; ao contrário, ela representa um avanço do resultado útil semeado pela atuação do corretor.
A comissão deve, assim, refletir a integralidade do sucesso obtido, premiando a eficácia que a atuação do corretor teve em sua totalidade, e não apenas em sua faceta inaugural.
V. Impactos no Mercado Imobiliário: Segurança Jurídica e Boas Práticas Contratuais
A consolidação do entendimento de que a comissão de corretagem é devida sobre a totalidade do negócio gerado a partir de uma aproximação útil, acarreta implicações diretas e relevantes para a rotina do mercado imobiliário, influenciando a conduta de todos os seus atores.
Para os corretores de imóveis, emerge com ainda mais força a necessidade de adotar uma postura de extrema diligência, registrando detalhadamente as etapas de sua atuação.
Esse registro da intermediação – desde os primeiros contatos, como trocas de mensagens, e-mails, registros de visitas, até o envio e recebimento de propostas formais – não se trata de mera formalidade, e sim um elemento essencial na comprovação do nexo de causalidade e na defesa de seu direito à remuneração, especialmente se surgirem divergências no momento do pagamento da comissão e se houver a necessidade de tomada de medidas jurídicas para o seu correto recebimento.
Nesse contexto, a utilização de instrumentos contratuais e pré-contratuais ganha especial relevância como ferramenta de mitigação de riscos e prevenção de litígios.
A adoção de documentos como a “ficha de visita”, que formaliza a apresentação do imóvel a um determinado cliente por um corretor específico, muitas vezes acompanhada de cláusula de proteção que garante a comissão caso o negócio se concretize dentro de um prazo estipulado, mesmo sem a sua participação final, revela-se uma prática prudente.
Da mesma forma, a celebração de contratos de corretagem com cláusula de exclusividade, quando cabível, confere ao profissional uma segurança ainda maior, pois garante sua remuneração se o negócio for fechado durante a vigência do ajuste, independentemente de quem tenha sido o mediador.
Tais práticas, além de protegerem o corretor, também conferem mais transparência à relação com o próprio comitente.
Do ponto de vista dos vendedores e compradores, o conhecimento da legislação e sua correta interpretação servem como um importante alerta sobre os riscos associados a tentativas de contornar a participação do corretor que deu início à intermediação.
A crença de que é possível dispensar o profissional após a aproximação inicial para negociar diretamente com a outra parte, a fim de se eximir de pagar a comissão, revela-se um equívoco que pode resultar em litígios judiciais ao pagamento não apenas da comissão devida, mas também de custas processuais e honorários advocatícios.
A boa-fé objetiva, princípio basilar do direito contratual, exige uma conduta leal e transparente de todas as partes, e a tentativa de suprimir o direito do intermediário que produziu o resultado útil constitui uma violação desse dever.
Em suma, a correta compreensão e a aplicação rigorosa do princípio do resultado útil e de suas normas correlatas são essenciais para o saudável funcionamento do mercado imobiliário.
Ao valorizar a intermediação que efetivamente leva à concretização dos negócios e ao resguardar a importância da atuação profissional em toda a sua extensão, o ordenamento jurídico não apenas protege o legítimo direito à remuneração do corretor, mas também incentiva a adoção de práticas comerciais éticas, transparentes e pautadas pela lealdade, elementos indispensáveis para a construção de relações duradouras e para a consolidação de um mercado mais justo e seguro para todos os seus participantes.
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