A entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020, que ficou apelidada como “Nova Lei de Recuperação Judicial e Falências”, causou furor no direito empresarial brasileiro. Essa lei, que realizou uma série de modificações na legislação falimentar vigente, a Lei nº 11.101/2005, trouxe algumas mudanças significativas no processo de falência e no procedimento recuperacional, buscando torná-los mais ágeis e eficientes, além de transmitir mais segurança aos credores envolvidos.
Uma das principais mudanças trazidas pela nova lei foi a disciplina da recuperação extrajudicial, que permitiu às empresas em dificuldade financeira negociar com seus credores, fora do âmbito judicial, e somente homologar esses acordos judicialmente. Esse procedimento é uma alternativa mais rápida, menos burocrática e mais barata que a recuperação judicial, tendo em vista que prescinde da figura do administrador judicial e facilita a conciliação dos interesses de credores e devedor para a realização da recuperação da sociedade empresária de forma direta.
Outra mudança importante na Lei de Recuperação Judicial e Falências foi a criação de mecanismos para incentivar a conciliação entre as partes envolvidas, incluindo a possibilidade de mediação. Tanto a conciliação quanto a mediação podem ser promovidas em qualquer fase do processo e a única restrição imposta pela lei é que a conciliação não verse sobre a natureza ou classificação dos créditos dos credores, a fim de evitar qualquer lesão aos interesses das demais classes.
Também, a nova lei retirou a classe dos credores com créditos privilegiados, anteriormente previstos no Art. 83, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005, que compreendia, entre outros, os Microempreendedores Individuais (MEI) e as microempresas. Antes dessa mudança, esse grupo tinha preferência no recebimento de valores devidos pelas empresas em caso de falência ou recuperação, o que conferia a eles maior chance de adimplemento da dívida da massa falida ou da recuperanda. Com a alteração, reduziram-se as classes de créditos previstas no rol do artigo 83 da lei, restando somente: (i) créditos trabalhistas de acidente de trabalho ou limitados a 150 salários-mínimos; (ii) créditos gravados por direito real de garantia; (iii) créditos tributários; (iv) créditos quirografários e subquirografários.
Essa medida foi tomada com o objetivo de reduzir os custos das empresas que entram em processo de falência, uma vez que havendo menos classes, reduz-se o conflito de interesses a ser mediado nas assembleias gerais de credores (AGC). A prioridade dada aos MEI’s e às microempresas acabava elevando o custo total do processo e tornando-o mais moroso para todos os envolvidos.
Contudo, apesar do ganho processual vislumbrado por essa alteração, é inegável o prejuízo sofrido pelos microempreendedores, que deixaram de gozar de proteção jurídica privilegiada. Atualmente, os créditos desses microempreendedores são classificados junto aos demais credores quirografários, ignorando, portanto, sua situação de maior vulnerabilidade comparado a outros credores de maior porte, que suportariam com maior facilidade os efeitos de um eventual não adimplemento do crédito.
Outro tópico interessante modificado pela nova lei, diz respeito à cessão dos créditos da recuperação ou falência. Essa situação ocorre quando um terceiro (ou mesmo outro credor habilitado na recuperação) adquire, por um valor geralmente bastante depreciado, o crédito a ser quitado pelo devedor. Assim, esse terceiro, cessionário, substituirá o credor original, cedente, e receberá o pagamento em seu lugar. A cessão de créditos é um instituto disciplinado no artigo 268 do Código Civil, e está autorizado desde que não haja vedação em legislação específica. No caso da recuperação judicial e da falência, inexiste qualquer vedação, inclusive, a redação anterior lei previa que os créditos trabalhistas cedidos seriam reclassificados como créditos quirografários, conforme artigo 83, §4º, da Lei nº 11.101/2005.
No entanto, a modificação imposta pela Lei nº 14.112/2020, revogou a disposição do §4º e incluiu o parágrafo §5º, que determina que todos os créditos cedidos conservarão sua natureza e classificação. Essa alteração traz um impacto para empresas que têm, cada vez mais, investido na aquisição desses créditos a fim de obter lucros, sobretudo àquelas que visam adquirir os créditos trabalhistas e que conservarão o privilégio da ordem de pagamento à eles garantidos, reduzindo sobremaneira o seu risco.
Essa modificação legislativa demonstra certa atenção do legislador a um verdadeiro mercado de créditos que têm surgido no Brasil envolvido com pagamento de precatórios ou créditos recuperacionais. Via de regra, os credores originais, que dependem do recebimento imediato dos valores devidos, frustram-se com a demora do andamento processual e, no ímpeto de receber algum valor imediatamente acabam concordando com a venda de seus créditos com uma depreciação de 20% ou mais. Para o credor cessionário, esse mercado surge como um oásis de oportunidade, tendo em vista que na recuperação judicial, a depender do crédito a ser adquirido, o pagamento, mesmo que demorado, ocorre com correção monetária.
Por todos esses motivos, as recuperações judiciais ou extrajudiciais têm se tornado mais frequentes no âmbito jurídico, por oferecerem uma possibilidade de manutenção das atividades pela sociedade empresária que se encontra em uma fase de dificuldade mas vislumbra a possibilidade de voltar a operar de forma sadia. As recuperações judiciais têm ganhado maior destaque na mídia, sobretudo em razão de alguns processos de muita notoriedade, como o caso da Lojas Americanas S/A, e os empreendedores têm tido cada vez mais familiaridade com o tema.
Ainda assim, em virtude da regulação da recuperação extrajudicial, não se pôde verificar uma sobrecarga do sistema judiciário relacionada ao aumento dos pedidos recuperacionais, haja vista que a existência da via extrajudicial e de todas as vantagens que ela oferece tem atraído um número cada vez maior de recuperandas para a resolução de sua crise. Esse é um aspecto muito positivo para o Poder Judiciário, tendo em vista que as ações de recuperação judicial e ações de falência tendem a se estender ao longo de muitos anos.
Em síntese, esses são alguns dos principais pontos de atenção que o empreendedor brasileiro deve conhecer a respeito dessas alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falências, muitos deles tidos como ganhos processuais e outros que podem tornar-se oportunidades lucrativas. O JCM Advogados permanecerá acompanhando as atualizações legislativas mais importantes do direito empresarial para fornecer aos clientes o melhor serviço.