Por Igor Mitsuo Sousa Moriyama
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua Terceira Turma, recentemente decidiu, em sede do REsp n. 1959435, que a convenção de arbitragem em um contrato não pode ser afastada sob o argumento de hipossuficiência de uma das partes (no caso a contratante) em razão da decretação de sua falência.
Assim, o juízo estatal não pode afastar a previsão contratual de realização de arbitragem para solução de conflito entre as partes contratantes, não podendo a matéria ser recepcionada e avaliada judicialmente, devendo em realidade ser remetida para a avaliação da possibilidade de instauração de arbitragem por câmara/tribunal arbitral contratualmente aceito.
O árbitro terá a incumbência de avaliar a cláusula arbitral do contrato e, conforme o princípio da competência-competência (o kompetenz-kompetenz), vir a decidir sobre a sua existência, validade e/ou eficácia. Estando todos estes elementos presentes é admissível a instauração de processo de arbitragem, um ato extrajudicial em que o árbitro terá o poder-dever de decidir as questões conflitantes decorrentes do contrato e emitir decisão visando a resolução da contenda.
Em sendo deliberada pelo árbitro a impossibilidade de se seguir com a arbitragem e não havendo outras disposições contratuais de solução de conflitos passíveis de apreciação, o embate pode seguir para a definição judicial.
O processo refere-se à situação em que um grupo de empresas de construção civil alegou suposto descumprimento na entrega dos aportes financeiros e na execução das garantias por parte de seus investidores. A ação chegou a ser extinta sem resolução de mérito na primeira instância, por fundamentação similar à do STJ. Todavia, a segunda instância recepcionou o caso e decidiu pelo afastamento da cláusula arbitral em razão da falência de uma das partes, que vem implicando na suposta não condição desta de arcar com os custos de uma arbitragem, que são consideravelmente elevados.
O STJ foi acionado diante da decisão dos desembargadores e a reformou. A relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi, elucidou que, tendo a parte firmado cláusula compromissória, o princípio kompetenz-kompetenz deve ser respeitado, recaindo sim ao árbitro avaliar a viabilidade da instauração da arbitragem e julgar se a condição financeira da parte falida é impeditiva ao prosseguimento. Ademais, a magistrada destacou que a celebração da cláusula compromissória possui força vinculante, assim, ela vem obrigando as partes do contrato a respeitar, para a resolução dos conflitos criados em seu bojo, a competência atribuída ao árbitro, afastando a jurisdição estatal.
Segundo a Terceira Turma, a falência posterior ao processo arbitral não impede o regular prosseguimento da arbitragem que já foi instaurada, e, mesmo existindo dúvida nesse sentido, não cabe demandar o juízo estatal, devendo a questão ser dirimida pelo próprio tribunal arbitral, de acordo com o princípios do pacta sunt servanda (que define que os pactos devem ser observados, ou seja, o contrato faz regra entre as partes) e da autonomia privada (refere-se ao poder dos particulares de auto-regulamentação dos seus interesses), bem como segundo os ditames da segurança jurídica.
A relatora destaca que a jurisprudência e a doutrina, em certa medida, admitem a submissão de uma questão urgente ao crivo do judiciário até que se instaure um procedimento arbitral. Todavia, no caso em tela a situação financeira da parte deveria ser apresentada primeiro ao tribunal arbitral, para este viesse a decidir sobre a viabilidade ou não da instauração da arbitragem.
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