Por Igor Mitsuo Sousa Moriyama
A regulação e validade, perante a legislação pátria, dos aplicativos de transporte, como o BUSER e o UBER, vem gerando debates diversos no âmbito judicial, na esfera doutrinária e, como muito já se sabe, no âmbito legislativo federal e de diversos entes federados. Sobre a temática circundam discussões não somente técnicas do Direito, mas também interesses políticos e econômicos, assuntos sobre reserva de mercado, bem como as vontades do Poder Público para a correta tributação e delimitação da atividade.
É certo que esse tema ainda terá mais discussões e desdobramentos diversos, mas já vemos algumas decisões judiciais interessantes aflorando. Aqui, buscaremos versar brevemente sobre uma delas.
A 21ª Vara Cível de Aracaju este mês decidiu que é válido o modelo de negócios da startup BUSER no estado de Sergipe. Sinteticamente, o juízo decidiu que a simples existência de concorrência não é fundamento o bastante para um reconhecimento de ilicitude da atividade, ou seja, somente o fato de a startup oferecer preços mais competitivos, concorrendo de maneira intensa com as sociedades empresárias de transporte de passageiros do estado, não indica que a mesma incorre em ilicitude, sendo inválida sua atuação.
Na ação recém sentenciada, a autora, a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados de Alagoas e Sergipe, requereu a proibição das operações da BUSER e da sua plataforma de intermediação entre os passageiros e as prestadoras para o transporte rodoviário por ônibus.
A autora alegou que a startup tinha preços consideravelmente inferiores às passagens ofertadas nas rodoviárias para os mesmos trajetos, e sem a autorização que empresas de transporte rodoviário deste porte tem da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento Estadual da Infraestrutura Rodoviária de Sergipe (DER-SE). Ademais, o modelo da plataforma estaria em desacordo com a normativas da agência reguladora competente. Assim, alegaram que a BUSER atua em uma forma irregular e clandestina, bem como com uma competitividade desleal.
A BUSER, como ré, rebateu os argumentos acima, dizendo que as empresas parceiras, que oferecem o transporte pela plataforma, não usam terminais de passageiros, e que pela flexibilidade do modelo de serviços, outras estratégias comerciais e a diversidade de prestadores, consegue preços mais vantajosos. A startup apontou que não tem rotas preestabelecidas e regulares, não dá garantias ou mesmo faz a cobrança individual, havendo somente o rateio do custo total do frete. Alegou ainda que, apesar da plataforma não ter autorização, sendo uma mera intermediadora entre passageiros e transportadoras, tem-se que as transportadoras parceiras têm sim a autorização da ANTT para seu funcionamento e cumprem as normas de segurança e exigências regulatórias.
A legislação que regula o transporte rodoviário via fretamento e sua exploração é a Lei 10.233/2001. A mesma foi tratada na decisão em tela. A tal norma, que impõe as condições para conceder a autorização e exploração neste setor, segundo o magistrado, não apresenta vedação aos serviços de intermediação prestados pela startup.
Conforme tal texto normativo, não há ilegalidade na forma de operação da BUSER, sendo, ademais, que a intermediação das viagens não pode ser confundida com a prestação do serviço de transporte em si, que fica a cargo das transportadoras parceiras da plataforma.
O magistrado ainda destacou que os serviços são por demanda, não sendo possível fixar um limite aceitável de passageiros por dados períodos de tempo em havendo uma oferta e uma procura, pois, caso contrário, seria corroborar com a tese de que as empresas fretadoras não podem ter um grande volume de clientes. Assim, levantar a temática da concorrência seria contraproducente, e negaria o objetivo de desenvolvimento econômico neste tipo de serviço.
Conforme a sentença, o fretamento colaborativo praticado pela BUSER também não descaracteriza a forma de fretamento que é regulamentada pela ANTT.
Para o juiz do caso tem-se ainda que a Resolução n. 4.777/2015 da ANTT e o Decreto n. 2.521/1998, que estabelecem que o fretamento deve ser em um circuito fechado (ondes os mesmos passageiros devem fazer os trajetos de ida e de volta), são abusivos, criando obrigação aos prestadores e aos consumidores, em uma violação da autonomia da vontade e da liberdade de locomoção. Assim, a BUSER, ao oferecer viagens apenas de ida ou de volta, não atua em desconformidade legal, atendendo o Código de Defesa do Consumidor, não forçando certa dinâmica de serviços conjuntos se estes podem ser separadamente ofertados.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região também já autorizou, em todo o país, que as viagens de ônibus possam ser fretadas em circuito aberto e proibiu a ANTT de autuar e apreender ônibus de viagens interestaduais intermediadas pela plataforma.
Este assunto do transporte rodoviário vem se tornando verdadeiro conflito judicial no país, com um enfrentamento entre as plataformas colaborativas e as federações de transportadoras tradicionais do setor. Em diversos locais vem surgindo decisões sobre a validade das plataformas, mas havendo também decisões contrárias à atividade da startup.
É esperado que teremos mais posicionamentos das cortes brasileiras sobre a matéria. Ainda assim, os posicionamentos sobre a legalidade da atividade parecem ganhar terreno, já sendo certo, contudo que deve haver uma melhoria da regulação para o seu exercício, evitando desequilíbrio econômico por práticas predatórias, para que sejam garantidos direitos aos prestadores e também conferidos limites e exigências para a segurança dos passageiros, mas sem inviabilizar a atividade e considerando suas peculiaridades.
Cumpre dizer que discussões desta natureza estão distantes de um fim. Os crescentes avanços tecnocientíficos e a intensificação da globalização, pela diversidade e velocidade das formas de comunicação, criam novas maneiras de interação social e econômica, novos produtos e novos serviços, que, com eles, trazem novos riscos, benesses e malefícios, passíveis de gerarem novos embates sobre sua regulação e validade.
A JCM está à disposição para assessorar seus clientes em todas as questões relativas a este assunto. Para maiores esclarecimentos entre em contato através do e-mail empresarial@jcm.adv.br.