O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou recentemente um entendimento de grande relevância no Direito Civil e Processual Civil: o imóvel que seja caracterizado como bem de família é impenhorável, mesmo quando se encontra incluído em inventário. A decisão, proferida no REsp 2.168.820, cassou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia admitido a penhora do bem por se tratar de patrimônio do espólio, ainda antes da transmissão formal aos herdeiros.
A controvérsia gira em torno da colisão entre dois interesses legítimos: de um lado, a Fazenda Pública, que busca a satisfação de seu crédito por meio da execução fiscal, e de outro, os herdeiros e familiares do falecido, que dependem do imóvel para garantir moradia digna. O TJRS havia entendido que a impenhorabilidade só poderia ser arguida após a conclusão do inventário e a transferência da propriedade aos sucessores. Todavia, o STJ decidiu que a natureza jurídica do bem de família deve prevalecer, independentemente da fase sucessória em que o imóvel se encontra.
A decisão encontra respaldo direto na Lei nº 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do bem de família. O diploma legal visa proteger o direito social à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Nesse contexto, a proteção não se limita ao proprietário formalmente registrado, mas se estende aos dependentes e herdeiros que efetivamente utilizam o imóvel como residência. Assim, a condição de estar em inventário não desnatura a função social do bem de família.
Importante destacar que o STJ considerou equivocada a interpretação do TJRS, que subordinava a proteção à conclusão do inventário. Essa visão poderia colocar em risco a segurança jurídica e a efetividade do direito à moradia, especialmente em casos em que os herdeiros residem no imóvel desde antes do falecimento do titular. A demora natural de um processo de inventário não pode servir como brecha para permitir a constrição patrimonial sobre o lar da família.
A análise feita pelo relator, ministro Benedito Gonçalves, reforça que o reconhecimento da impenhorabilidade deve ocorrer antes da partilha, bastando a comprovação de que o imóvel efetivamente cumpre os requisitos para ser considerado bem de família. Esse entendimento garante proteção imediata aos herdeiros, que de outra forma poderiam ser surpreendidos por penhoras indevidas em meio ao processo sucessório.
Do ponto de vista prático, a decisão traz impactos relevantes para advogados, inventariantes e herdeiros. O advogado deve estar atento à possibilidade de invocar a proteção do bem de família desde o início do inventário, a fim de evitar constrições que comprometam a posse e a utilização do imóvel pelos sucessores. Já para os inventariantes, a medida significa maior clareza sobre os limites da responsabilidade patrimonial do espólio, evitando que o imóvel residencial seja indevidamente destinado ao pagamento de dívidas.
Sob a ótica social, a decisão do STJ reforça o princípio da dignidade da pessoa humana, que orienta o ordenamento jurídico brasileiro. Permitir a penhora de um imóvel residencial em razão de débitos do espólio, sem observar a natureza de bem de família, poderia desamparar justamente os membros sobreviventes que mais necessitam de proteção. Assim, o precedente contribui para consolidar uma interpretação mais humanizada do direito sucessório e processual.
Por fim, é relevante frisar que a impenhorabilidade não é absoluta: a própria Lei nº 8.009/1990 elenca hipóteses em que o bem de família pode ser objeto de constrição, como em casos de dívidas relativas a financiamento do próprio imóvel, pensão alimentícia ou impostos vinculados ao bem. Contudo, em se tratando de execução fiscal genérica, como no caso julgado, a proteção deve ser integralmente preservada, independentemente de o bem estar ou não em inventário.
Assim, o precedente do STJ reafirma que o direito à moradia se sobrepõe à satisfação do crédito, assegurando aos herdeiros a continuidade da proteção conferida pelo bem de família. Trata-se de decisão que fortalece a segurança jurídica e promove a efetividade dos direitos fundamentais no âmbito do direito sucessório.
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