Por Walace Felix
Recentemente, uma decisão proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacou a discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica em um caso no Rio de Janeiro. A determinação do STJ instrui o juízo de primeira instância a reavaliar a aplicação desse instituto, suscitando debates acerca da complexidade e importância do tema no cenário jurídico brasileiro.
Para iniciar a avaliação da determinação do STJ quanto à reanálise pelo juízo de primeira instância, é imprescindível abordarmos os conceitos e fundamentos da desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto jurídico que permite a responsabilização dos sócios ou administradores de uma pessoa jurídica pelos atos praticados em nome desta, quando há abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Seu propósito é assegurar que a personalidade jurídica não seja utilizada como meio para práticas fraudulentas ou prejudiciais a terceiros.
Os fundamentos estão previstos no art. 50 do Código Civil, o que estabelece a possibilidade de estender os efeitos de determinadas obrigações aos bens pessoais dos administradores ou sócios, em casos de desvio de finalidade, confusão patrimonial ou prática de atos ilícitos.
Para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, é essencial observar requisitos específicos, garantindo sua utilização de maneira justa e proporcional. Entre esses requisitos, destacam-se:
- Desvio de Finalidade ou Confusão Patrimonial: Requer a existência de desvio de finalidade, caracterizado pelo uso impróprio da pessoa jurídica para fins ilícitos, ou confusão patrimonial, quando não há distinção clara entre o patrimônio da entidade e o dos sócios.
- Má-Fé ou Fraude: Exige a demonstração de má-fé ou a prática de atos fraudulentos por parte dos administradores ou sócios, evidenciando o uso indevido da personalidade jurídica.
- Decisão Judicial Fundamentada: A desconsideração da personalidade jurídica deve ser decretada por meio de uma decisão judicial fundamentada, que analise os elementos do caso concreto e justifique a necessidade dessa medida.
A decisão em destaque refere-se à ampliação da desconsideração da personalidade jurídica em relação a dois ex-sócios de um grupo empresarial de laboratórios. O processo teve início com a declaração de falência em 2011, quando a administradora judicial solicitou a desconsideração da pessoa jurídica em relação aos sócios da massa falida na época da quebra. Dois anos mais tarde, a administradora buscou estender essa desconsideração a outros ex-sócios que não estavam envolvidos nas operações das empresas no momento da falência. Em segunda instância, o tribunal reverteu a decisão, alegando que os dois ex-sócios não faziam parte do quadro societário da massa falida no momento de sua decretação.
A massa falida buscou recurso no STJ, e durante o julgamento, a Ministra Nancy Andrighi enfatizou que a primeira decisão que concedeu a desconsideração da personalidade jurídica dos ex-sócios foi proferida em 2013, regendo-se pelas leis do Código Civil e do Código de Processo Civil vigentes à época. Veja-se: “Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, nessa perspectiva, somente podem alcançar os sócios que tiveram participação na conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, independentemente de se tratar de sócio majoritário, minoritário, controlador ou não”, escreveu a relatora, citando precedente do REsp 1.325.663”.
Na decisão, a Ministra salientou que não é suficiente para o juízo de primeira instância verificar se os ex-sócios faziam ou não parte do corpo da massa falida na época da decretação da quebra. É imprescindível a fundamentação de que houve algum tipo de abuso doloso da personalidade jurídica.
Diante dessa determinação do STJ, o juízo de primeira instância será responsável por reavaliar o caso, considerando os fundamentos legais e a necessidade de comprovação do abuso doloso da personalidade jurídica pelos ex-sócios. Essa decisão destaca a importância da estrita observância dos requisitos legais para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, garantindo um tratamento justo e equitativo no âmbito das associações civis e empresas.
Resumidamente, a desconsideração da personalidade jurídica representa uma ferramenta jurídica valiosa, destinada a proteger interesses legítimos e coibir práticas ilícitas. A decisão proferida pelo STJ no caso do Rio de Janeiro ressalta a importância da aplicação adequada deste instituto, visando assegurar a justiça e a equidade nas relações jurídicas. Ao analisar a desconsideração da personalidade jurídica, é crucial considerar os requisitos legais, a devida fundamentação e os impactos dessa medida sobre as partes envolvidas.
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