Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma importante decisão que esclarece o tema relativo às obrigações judiciais impostas e a responsabilidade de terceiros no cumprimento delas.
O presente artigo visa expor as implicações dessa decisão no setor jurídico e como ela pode impactar nossos clientes.
O caso em questão envolveu uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, na condição de autor, contra uma pessoa física, proprietária de uma área desmatada que é o objeto da ação, e contra o Município de Guarulhos, na condição de réus.
A proprietária e o Município foram condenados em primeiro grau a cumprir, cada uma, diferentes obrigações.
O Juiz determinou à proprietária que interrompesse imediatamente todas as atividades degradadoras do meio ambiente, e a proibiu de ocupar a área de preservação permanente (APP).
Além dessas e de outras exigências, ele também determinou que ela demolisse a obra que havia construído no local e restaurasse integralmente as condições primitivas da vegetação, do solo e do corpo d’água afetados.
Ainda, asseverou que todas as medidas deveriam ser realizadas em conformidade com as regras do órgão ambiental competente, e, em caso de descumprimento de qualquer uma das obrigações, teria de arcar com multa diária de R$200,00, limitada a R$20.000,00.
Já em relação ao Município, o Juiz determinou que o ente controlasse e fiscalizasse a área e o cumprimento das obrigações impostas à proprietária e, se necessário, fizesse uso de seu poder de polícia, praticando todos os atos administrativos para garantir a restauração e preservação da área, desde a apreensão de quaisquer instrumentos e materiais, até a interdição e embargo da obra, com a notificação do infrator. Em caso de descumprimento dessas obrigações por parte do Município, o Juiz o advertiu de que também seria penalizado com multa, em valor a ser fixado.
Apesar do Município ter cumprido parte de suas obrigações, a proprietária da área não cumpriu as suas, o que levou o Ministério Público a requerer ao Juiz que o ente municipal, na condição de terceiro, cumprisse com as obrigações que haviam sido inicialmente impostas à proprietária.
O pedido foi embasado no artigo 817 do Código de Processo Civil, que dispõe que “Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado.”.
O Juiz acolheu o pedido e o Município recorreu ao Tribunal, que manteve a decisão, levando o ente municipal a recorrer novamente, desta vez, ao STJ.
Em seu voto, o Relator, Ministro Gurgel de Farias, analisou o caso e verificou que as decisões de primeiro e segundo grau que acolheram e mantiveram o pedido do Ministério Público, para que o Município cumprisse com as obrigações da proprietária em relação à área desmatada, não estavam de acordo com o fundamento legal utilizado – artigo 817 do CPC.
Ele esclareceu que o artigo mencionado traz, em seu texto, a possibilidade de cumprimento de obrigação por terceiro, e não a imposição de forma indiscriminada para que ele cumpra qualquer obrigação que não seja sua, o que está claro pelos próprios verbos constantes no artigo, quais sejam: “puder”, em vez de “dever”, e “autorizar”, em vez de “determinar” ou “requisitar”.
O Ministro ainda destacou que, para a correta aplicação dessa norma, é indispensável o requerimento do exequente e a prévia ciência e anuência do executado, o que é reforçado, inclusive, pela inexistência de qualquer penalidade, a exemplo de multa, imposta ao terceiro, caso não concorde em cumprir a obrigação.
Por tais razões, os Ministros da 1ª Turma do STJ foram unânimes em concordar com o Ministro Relator, para dar provimento ao recurso do Município e afastar a decisão que lhe impôs o cumprimento de obrigações que não eram originalmente suas.
Ressalta-se que a aplicação do artigo 817 do CPC não se restringe somente às situações como a do caso analisado, que tratava de obrigações de particular e de ente público em relação a área desmatada. O referido artigo trata da obrigação de fazer ou de não fazer de qualquer natureza.
Ou seja, ainda que as obrigações não sejam especificamente determinadas por um juiz, a decisão aqui apresentada também reforça, de maneira indireta, a necessidade de que sejam cuidadosamente observados os eventuais contratos e acordos firmados, especialmente em relação à clareza na redação das cláusulas, especialmente em relação à responsabilidade de cada parte ou de terceiro envolvido, a fim de evitar ambiguidades e futuros litígios.
Portanto, essa decisão é de extrema importância para o meio jurídico, pois reforça a necessidade de se observar e exigir a correta aplicação da lei, a fim de proteger os direitos e interesses de clientes que eventualmente venham a se ver envolvidos em situação semelhante.
Por fim, também é essencial para os clientes ter o conhecimento dela e dos detalhes do caso, pois, além de ser uma forma de conhecer melhor seus direitos e deveres, mostra que, em determinados casos, não podem ser obrigados a assumir responsabilidades que não lhes pertencem sem seu prévio e expresso consentimento.
O JCM Advogados Associados permanece atento a todas as novidades e decisões para mantê-los sempre atualizados e permanecemos à disposição para solucionar suas dúvidas sobre o tema.