Por: Vittoria Anastasia
Nos últimos anos, os tribunais superiores vêm flexibilizando a incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). São exemplos disto o julgamento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp nº 1.937.821/SP, em 2022, que reconheceu a ilegalidade da imposição de base de cálculo para recolhimento do ITBI com base no valor venal dos bens imóveis utilizada para incidência de IPTU (Tema nº 1.113); e a fixação de tese do Tema nº 796 do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, que limitou a imunidade em relação ao ITBI ao capital efetivamente realizado nas sociedades empresárias.
A relevância desta temática advém do fato que, por vezes, a base de cálculo do ITBI era “escolhida” pelos Municípios com base no maior valor entre: o valor do negócio; o valor venal do imóvel (IPTU); ou o valor de mercado, segundo base de dados do município. Então, a base de cálculo do ITBI foi motivo de discórdia entre os contribuintes, ainda mais considerando que o elevado valor do tributo já até impediu negócios de serem realizados.
Então, cabe perguntar: como as decisões dos tribunais superiores, sobretudo o Tema nº 796 do STF e o Tema nº 1.113 do STJ, têm relevância para as empresas?
À luz dos princípios da ordem econômica e com base na livre iniciativa, a decisão do STF no Tema nº 796 buscou entender qual o limite para a imunidade tributária do ITBI. O caso concreto que deu ensejo ao Tema referia-se a uma sociedade cujo capital social atingia R$ 24 mil reais, integralizado a partir de 17 imóveis. Destes imóveis, uma parte foi utilizada para a integralização e outra foi direcionada para reserva de capital.
A questão que o STF buscou resolver no Tema nº 796 foi se o valor que ultrapassa o capital social a ser integralizado é abarcado pela imunidade tributária. E o entendimento consolidado foi de que a imunidade do ITBI não abrange o valor destinado à reserva de capital. Então, em síntese, a decisão mencionada afirmou que a imunidade do ITBI sobre os imóveis integralizados no capital da sociedade não abarca os valores não destinados a essa finalidade.
Assim, a aplicação do Tema em questão deve considerar as peculiaridades do caso concreto. Isso porque se o valor do imóvel foi utilizado para fins distintos da integralização, como no caso da reserva de capital, não haveria sujeição à regra estabelecida no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal.
No entanto, na prática, o que os Municípios têm feito é desconsiderar o valor da operação do contribuinte, estabelecer um valor para o imóvel e tributar a diferença entre o valor considerado na operação e aquele que o município entende ser apropriado.
Ora, tal comportamento se mostra, no mínimo, um empecilho para a atuação das empresas de forma adequada. A tributação não pode ultrapassar os limites da Constituição e aplicar uma decisão do STF de forma que pode ser interpretada como, para dizer o mínimo, desleal.
Essa prática é ainda mais indelicada quando analisamos o Tema nº 1.113 do STJ. Afinal, nesta ocasião foi entendido que o valor declarado pelo contribuinte para fins de integralização do capital social goza de presunção de veracidade. E o STJ determina ainda que para afastar o valor declarado é necessária instauração de processo administrativo (art. 148, CTN), disposição essa que, por vezes, é simplesmente ignorada pelas municipalidades.
É evidente que o Fisco ainda pode tomar medidas para averiguar a veracidade das declarações. Afinal, existem de fato casos em que há má-fé por parte do contribuinte. No entanto, essa não é a regra. Logo, não se pode desconsiderar o valor declarado indiscriminadamente e sem observância do trâmite entendido pelo STJ na ocasião do Tema nº 1.113 para dar ensejo à tributação pelo ITBI.
A jurisprudência pátria vem tentando afastar ou, ao menos, reduzir os casos de arbitrariedade fiscal. Por isso, considerando-se ainda a segurança jurídica e os princípios do ordenamento jurídico brasileiro no que toca a ordem econômica e a atuação das sociedade, as decisões do STJ e STF sobre a tributação pelo ITBI se tornam pontos cruciais para o ambiente empresarial.