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artigo 20 de julho de 2023

A ética da inteligência artificial: a recriação de imagens póstumas e os desafios do direito digital e direitos da personalidade

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Por Paula Neves

Todos os dias, a tecnologia não para de nos surpreender, seja com o avanço de equipamentos que facilitam a vida humana ou animal, ou mesmo com o desenvolvimento intelectual exponencial das tecnologias de inteligência artificial (IA), que criam conteúdos como textos e imagens.

Esse desenvolvimento gera fascínio para alguns, porém outros já veem com olhos críticos do ponto de vista ético-moral quando as IAs criam algo que entra no espectro dos tabus criados pela sociedade.

O assunto em destaque é a propaganda de divulgação no Brasil da nova “Kombi” da fabricante alemã Volkswagen. A propaganda se desenvolve ao som de “Como nossos pais”, uma obra musical que ficou nacionalmente famosa nas décadas de 70 e 80, interpretada pela inesquecível Elis Regina.

No comercial, a música é desta vez interpretada por Maria Rita, filha de Elis, enquanto ela dirige o novo modelo do veículo. Em determinado momento, a antiga clássica Kombi entra em cena junto à voz e o vídeo de Maria Rita, com a imagem recriada de sua mãe, Elis, por meio de inteligência artificial.

O vídeo gerou debate no CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) no sentido de questionar a ética na recriação da imagem da falecida Elis Regina e determinar os detentores legítimos dos direitos de imagem da artista. Também foi analisada uma vertente do direito do consumidor, no sentido de informar os espectadores sobre o uso de inteligência artificial no desenvolvimento do comercial, evitando assim induzir o consumidor ao erro, conforme está escrito no Código de Defesa do Consumidor brasileiro (Lei nº 8.078/1990).

Discutindo o comercial pela perspectiva do Direito do Consumidor, faz-se necessário a estrita aplicação dos princípios da transparência e da informação (como descrito no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro), sob o risco, como citado acima, de induzir o erro ao consumidor, ainda que o “esclarecimento” e “informação” seja no sentido de evidenciar que a propaganda trata de uma recriação da realidade feita por inteligência artificial e não implique em necessariamente enganar o consumidor, a alguma maneira, a adquirir o veículo por alguma ligação à artista Elis Regina.

Apesar dos avanços do direito digital no Brasil e em outros lugares do mundo, com a promulgação de leis que abordam o ambiente digital, obras e criações digitais, proteção de dados pessoais no ambiente virtual, entre outros, os debates éticos ainda estão atrás em relação às normas, principalmente devido ao avanço acelerado das tecnologias que, de alguma forma, envolvem os seres humanos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a discussão se deu no tom de que para as criações feitas por alguma ferramenta de inteligência artificial não cabem proteção dos direitos autorais. Pois para o ente governamental norte-americano de Direitos Autorais (USCO), que é o órgão que administra o sistema nacional de direitos autorais e fornece orientação sobre a legislação de direitos autorais ao Congresso, agências federais, tribunais e público em geral, o processo criativo envolvido na criação de um trabalho é fundamental para determinar se ele pode ou não ser protegido por direitos autorais. Portanto, no caso de obras realizadas por inteligências artificiais, elas estão apenas executando instruções dadas pelo humano atrás da tela, e não gerando sozinha, por meio de um processo criativo inato e independente, os elementos considerados essenciais para a imagem, voz, ou vídeo do resultado final.

Essa discussão é densa e profunda, pois envolve a criação de imagens novas (que não são gravações do passado) de personagens póstumos, criadas artificialmente por ferramentas tecnológicas, deixando sem uma resposta clara quem possui a legitimidade para dispor ou não dessas imagens. Seria a família? Seriam aqueles que detêm os direitos de reprodução das obras do artista? Ou será que esse questionamento nem deveria existir, já que aqueles que não estão mais entre os vivos não podem se manifestar sobre o uso de sua imagem? Ou o debate sobre direitos autorais deveria se concentrar em quem e como forneceu as instruções (o prompt) à IA para a (re)criação da imagem e/ou voz? Essas e outras questões são necessárias para iniciar um debate intenso enquanto a sociedade se acostuma, dia após dia, com a presença de tecnologias cada vez mais inteligentes e presentes no cotidiano dos seres humanos e assim, ter com que a legislação e decisões de tribunais forneçam dispositivos que sejam mais adequados e condizentes com a nova e tecnológica realidade.

Por fim, a rápida evolução tecnológica, especialmente no campo da inteligência artificial, tem sido uma fonte constante de surpresa e fascínio. No entanto, essa realidade também traz consigo desafios éticos e legais que precisam ser abordados de maneira cuidadosa e responsável. A discussão sobre a recriação de imagens póstumas por meio de ferramentas tecnológicas, como visto no caso da propaganda da “Kombi” da Volkswagen, levanta questões cruciais sobre a titularidade dos direitos de imagem, a proteção dos direitos autorais e a transparência ao consumidor. O debate sobre quem possui a legitimidade para dispor dessas imagens e quais os limites éticos e legais nesse contexto permanece, também, em aberto. A busca por soluções adequadas e coerentes com a realidade tecnológica atual é indispensável, garantindo que a legislação acompanhe os avanços tecnológicos e proteja os direitos tanto dos seus titulares quanto dos consumidores. Somente com uma abordagem reflexiva e abrangente poderemos construir um ambiente digital ético, justo e transparente, onde a inteligência artificial “conviva” harmoniosamente com a sociedade humana. 

Para saber mais, recomendamos as leituras:

https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/heranca-digital-entenda-os-limites-do-uso-da-imagem-de-pessoas-mortas-pela-ia/

https://www.migalhas.com.br/depeso/390067/a-inteligencia-artificial-e-os-limites-no-uso-do-direito-de-imagem

https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-digital/389917/uma-analise-juridica-do-caso-elis-regina-e-outros-casos-relacionados

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

 

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