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artigo 28 de setembro de 2023

A desconsideração da personalidade jurídica: julgado recente do STJ

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Por Gabriela Rocha

 

A desconsideração da personalidade jurídica é um incidente processual que permite, nas hipóteses previstas no artigo 50 do Código Civil (CC) e do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que a execução de dívida de uma pessoa jurídica seja direcionada aos seus sócios, relativizando a limitação das responsabilidades nos tipos societários que se caracterizam por essa proteção ao patrimônio pessoal dos sócios. De igual modo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica, quando a execução de uma dívida de uma pessoa física é direcionada à pessoa jurídica por ela constituída.

Sob a ótica do direito civil, a instauração desse incidente requer a comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Esses requisitos caracterizam a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.

Já no direito consumerista, a instauração do incidente é menos restritiva, sendo cabível em todo caso em que for comprovado prejuízo ao consumidor em decorrência de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e, a hipótese mais abrangente de todas, sempre que a personalidade jurídica obstar, de alguma forma, ressarcimento de prejuízo aos consumidores. Essa é a chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

O direcionamento da execução ao sócio ou à pessoa jurídica da qual o executado é sócio depende de um requisito processual que é a instauração do incidente de personalidade jurídica. Em resumo, é necessário, em qualquer fase do processo, que seja requerida pela exequente a desconsideração com base nos fundamentos legais, na petição inicial ou em petição apartada distribuída no curso do processo. Ao possível executado, será concedido direito ao contraditório, a fim de discutir sobre a existência ou não dos requisitos legais para o deferimento do pedido. Com isso, somente a partir da decisão judicial seria possível direcionar a execução, com a incorporação do sócio ou de outra empresa do grupo no polo passivo da ação.

No entanto, como já tratamos em artigo anterior, o ordenamento jurídico brasileiro passa por um momento de crise relativa à desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que, sobretudo no direito do trabalho e no direito consumerista, a personalidade jurídica tem sido afastada com certa flexibilidade e, muitas vezes, sem a devida observância aos requisitos legais. 

É sempre importante ressaltar que a forma pela qual a magistratura e a doutrina de maneira geral interpretam institutos do direito está em constante renovação e não é uma exclusividade da desconsideração da personalidade jurídica. No entanto, nos chama a atenção esse caso em especial, porque os possíveis impactos dessa flexibilização não se restringem ao âmbito do direito, tendo potencial ofensivo à economia. 

Isto porque a limitação de responsabilidades impõe uma barreira protetiva ao patrimônio pessoal dos sócios, sendo um importante atrativo às atividades empreendedoras. Nos casos de sociedades com essa limitação, o sócio responde somente pela sua participação no capital social, ou seja, há um controle prévio com relação aos riscos que se pretende assumir e a atividade empreendedora, por si, pressupõe a existência de riscos, ainda que haja total observância dos sócios às formalidades legais.

Nesse sentido, a flexibilização da limitação das responsabilidades e a banalização da desconsideração da personalidade jurídica pode vir a desestimular a atividade empreendedora, uma vez que os sócios (e em alguns casos, até mesmo seus procuradores) podem ser instados a arcarem com as dívidas da atividade de empresa com seu patrimônio pessoal.

Feita essa contextualização, em grande parte presente no artigo publicado em 02 de março deste ano, faz-se necessário abordar uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.

O caso diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica em execuções com existência de grupo econômico, em que, na primeira instância, uma empresa pertencente ao mesmo grupo da executada teve cerca de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) penhorados sem instauração do incidente processual. 

De acordo com o § 4º do artigo 50 do Código Civil, a mera existência de grupo econômico sem comprovação de abuso da personalidade jurídica, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Portanto, a existência de grupo econômico não autoriza, de antemão, a responsabilização de uma sociedade pelo débito de outra pertencente ao mesmo grupo.

Entretanto, o §2º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações das demais, ou seja, podem ser executadas na inexistência de bens da titular da dívida.

O entendimento exarado pela Quarta Turma do STJ proferida no acórdão publicado em 19 de setembro de 2023 nos autos do REsp 1864620, informa que, ainda que haja grupo econômico e que seja possível a aplicação do §2º do artigo 28 do CDC, a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória, não sendo possível mover a execução em face de quem não integrou a ação na fase de conhecimento e não figura na execução.

Essa decisão, ao nosso ver, foi absolutamente acertada e encontra-se em perfeita sintonia com o ordenamento jurídico, uma vez que o Código Civil e o Código de Processo Civil prevêem a forma pela qual o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado e a existência dessa formalidade garante à parte chamada ao processo o direito ao contraditório. Ademais, a própria redação do §2º do artigo 28 do CDC atribui às sociedades componentes de mesmo grupo econômico a responsabilidade subsidiária e não solidária, devendo ser observado o privilégio de ordem na execução.

Por meio dessa decisão é possível depreender que a satisfação da execução não pode se sobrepor aos requisitos legais e, por isso, a responsabilidade subsidiária das outras empresas do grupo não exclui a necessidade de observância das normas processuais destinadas a garantir o contraditório e a ampla defesa. Com isso, o deferimento de pedido de penhora de bens de empresas que não compõem o polo passivo da execução foi revertido.

A partir dessa decisão, verificamos que, ainda que na primeira instância haja maior flexibilidade com relação à desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização patrimonial de terceiros, os tribunais superiores pode representar um freio a esse processo, uma vez que mantém a interpretação mais fiel à letra da lei, observando os preceitos legais e corrigindo possíveis abusos na aplicação do direito. 

É importante ressaltar que não defendemos a inaplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica e tampouco concordamos com o endividamento irresponsável de pessoas jurídicas que mantêm-se inadimplentes com trabalhadores, consumidores ou outras sociedades empresárias. No entanto, defendemos que os requisitos e procedimentos legais sejam devidamente observados na aplicação do direito e, ainda, que esse instituto tenha aplicabilidade excepcional, conforme preconizado no momento de sua inclusão no direito brasileiro.

O tema, como se pode concluir, é de extrema importância e é determinante para o direito empresarial e societário. Aconselha-se a todo empreendedor buscar mais informações a respeito, a fim de mensurar com maior atenção, os riscos que tem assumido no desenvolvimento de suas atividades.

O JCM Advogados Associados permanece atento a todas as novidades e decisões para mantê-los sempre atualizados e permanecemos à disposição para solucionar suas dúvidas sobre o tema.

Para saber mais: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/19092023-Penhora-contra-empresa-do-mesmo-grupo-da-executada-exige-previa-desconsideracao-da-personalidade-juridica.aspx

Artigo publicado anteriormente: https://jcm.adv.br/artigo/decisao-do-trt-admite-responsabilizacao-patrimonial-de-socios-em-causa-trabalhista/

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