Por: Gabriela Rocha
O conceito de bem de família ocupa posição de destaque no direito brasileiro, refletindo a preocupação em proteger o patrimônio mínimo necessário para a subsistência e a dignidade das famílias, entidades que gozam de proteção constitucional.
A recente decisão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a coexistência entre o bem de família voluntário, disciplinado pelo Código Civil (CC) no artigo 1.711 e pelo Código de Processo Civil (CPC) no artigo 833, inciso I, e o bem de família legal, previsto na Lei nº. 8.009/1990. Essa posição reforça a harmonia normativa e dissipa dúvidas quanto à possibilidade de revogação tácita de dispositivos da Lei nº. 8.009/1990, com a entrada em vigor do CPC de 2015.
O bem de família, tanto em sua modalidade legal quanto voluntária, tem como principal objetivo assegurar um núcleo mínimo de proteção patrimonial à residência familiar, garantindo estabilidade e segurança ao núcleo familiar. O bem de família legal é reconhecido de forma automática, independentemente de registro, com base na Lei nº. 8.009/1990, desde que o imóvel seja utilizado como residência. Já o bem de família voluntário requer o registro formal em cartório, conforme previsto no Código Civil.
Embora distintos nos requisitos e procedimentos, ambas as modalidades compartilham a finalidade de resguardar o direito fundamental à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Nesse sentido, a coexistência das normas que regulam essas figuras não apenas preserva, mas amplia as possibilidades de proteção à residência familiar no Brasil.
No caso de entidades familiares que possuam múltiplos imóveis, o bem de família pode ser considerado o imóvel em que a família reside ou o imóvel de menor valor dentro do patrimônio. Por isso, a constituição de bem de família voluntário, com o respectivo registro cartorário desta condição, mostra-se uma solução importante para garantir que o imóvel mais valioso seja considerado o bem de família e, portanto, goze de impenhorabilidade em caso de possíveis execuções.
Na decisão recente, o STJ enfrentou uma controvérsia surgida em um processo de execução fiscal, em que se discutiu a penhorabilidade de um imóvel utilizado como moradia familiar. A instância inferior havia considerado que o novo CPC teria revogado tacitamente a Lei 8.009/1990, adotando um entendimento restritivo quanto às hipóteses de impenhorabilidade previstas no artigo 833 do CPC.
O STJ, no entanto, rejeitou essa interpretação, enfatizando que a redação do artigo 833 do CPC é compatível com a tradição jurídica nacional de garantir proteção ao bem de família por múltiplos diplomas normativos. O relator da decisão, ministro Paulo Sérgio Domingues, destacou que o rol de hipóteses de impenhorabilidade previsto no CPC não é taxativo, permitindo a convivência com outras declarações legais de impenhorabilidade, como as previstas na Lei nº. 8.009/1990.
A reafirmação da coexistência entre o bem de família legal e o voluntário pelo STJ traz segurança jurídica aos jurisdicionados e orienta a prática dos tribunais inferiores. Essa interpretação evita a exclusão de proteções conferidas pelo legislador em diplomas distintos e permite que as famílias desfrutem de uma maior amplitude de defesa patrimonial.
Na prática, a decisão também corrige eventuais desvios na aplicação das normas, especialmente em situações em que a interpretação literal e isolada de dispositivos do CPC poderia levar à penhorabilidade de imóveis protegidos. Ao preservar o caráter sistêmico das normas de proteção ao bem de família, o tribunal reafirma o compromisso com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os direitos sociais, que são pilares do ordenamento jurídico brasileiro.
A decisão da Primeira Turma do STJ consolida a visão de que o bem de família é um instituto essencial para a preservação da segurança e da dignidade das famílias brasileiras. Ao reconhecer a coexistência entre as modalidades legal e voluntária, o tribunal reforça a necessidade de interpretação harmoniosa das normas, promovendo maior proteção aos direitos fundamentais. Essa interpretação jurisprudencial representa um avanço na construção de um sistema jurídico mais coeso e sensível às necessidades reais da sociedade.
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