A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 2.163.919, proferiu relevante decisão acerca do marco inicial para pagamento de legado de renda vitalícia.
A controvérsia originou-se em um inventário ajuizado para cumprimento de testamento público, por meio do qual o falecido destinou a parte disponível de seu expressivo patrimônio às suas duas filhas, oriundas de um casamento anterior.
Também nesse testamento, a fim de resguardar o sustento da atual esposa, o falecido a instituiu como beneficiária de uma renda vitalícia mensal no valor de R$20.000,00, cuja responsabilidade pelo pagamento recairia sobre as duas filhas, dividido igualmente.
No curso do inventário, a viúva, com quase 78 anos de idade e comprovadamente dependente econômica do falecido, solicitou, em caráter de urgência, o início imediato dos pagamentos mensais da renda vitalícia. O juízo de primeira instância acolheu a solicitação e determinou às herdeiras o imediato cumprimento da obrigação.
Inconformadas, as herdeiras recorreram ao Tribunal de Justiça do estado do Paraná (TJPR), que reformou a decisão e suspendeu os pagamentos até a efetivação da partilha de bens e a conclusão do inventário. Diante disso, a viúva recorreu ao STJ.
Em seu recurso, ela alegou a urgência e a necessidade dos valores para seu sustento, destacando sua idade avançada, a dependência econômica e o intenso litígio entre as partes, que tornava a perspectiva de conclusão do inventário ainda mais demorada. A Relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi, concedeu o efeito suspensivo ao recurso para determinar a imediata retomada dos pagamentos em favor da viúva.
Na análise do mérito do recurso, cujo cerne da controvérsia era o termo inicial para a exigibilidade do pagamento do legado de renda vitalícia, a Ministra destacou que o Código Civil prevê expressamente que, se o legado consistir em renda vitalícia ou pensão periódica, o pagamento é devido desde a abertura da sucessão, que se inicia a partir da morte do testador. Tal regra, porém, pode ser alterada se o próprio testador estipular um termo inicial diferente. No caso analisado, como o testamento não continha uma data inicial especificada, prevalecia a regra legal.
Outro fundamento relevante da decisão foi a natureza assistencial do legado de renda vitalícia, comparado pela Ministra ao legado de alimentos. Embora sejam institutos distintos, ambos têm como ponto comum o objetivo de garantir o suprimento das necessidades da pessoa que dependia economicamente do testador.
A Ministra ponderou que, embora a regra geral do Direito Sucessório preveja que o beneficiário de um legado possa exigi-lo somente após a partilha, essa regra não se aplica rigidamente ao legado de renda vitalícia. Isso porque a espera pela conclusão de um processo de inventário, que frequentemente se arrasta por anos devido à sua complexidade e à litigiosidade entre as partes, frustraria totalmente a finalidade dessa modalidade de legado.
Assim, entendeu que não seria razoável permitir que a viúva permanecesse privada dos recursos essenciais à sua manutenção durante todo o extenso período de tramitação do inventário. O falecido testador, ao instituir a renda vitalícia, visou justamente providenciar o sustento de sua esposa em um momento de vulnerabilidade, e adiar esse pagamento contraria a própria natureza e o propósito do instituto.
Os demais Ministros acompanharam o voto da Relatora e o recurso foi provido por unanimidade.
Em suma, a decisão reforça a eficácia da autonomia da vontade expressa em testamento e consagra o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, assegurando que o pagamento do legado de renda vitalícia seja corretamente cumprido e que seu propósito assistencial não seja desvirtuado pela morosidade processual.
Porém, as implicações práticas dessa decisão reforçam a necessidade de atenção e cautela por parte de todos os envolvidos no planejamento da sucessão.
Para os testadores, a decisão reafirma a importância de clareza e precisão nos termos do testamento, inclusive em relação à inclusão de informações relativas às suas escolhas, como, por exemplo, o termo inicial de pagamento do legado de renda vitalícia.
Aqueles sobre os quais vier a recair a responsabilidade pelo pagamento do referido legado devem ter ciência de que essa obrigação pode ser exigível desde o falecimento do testador, mesmo que o inventário esteja em fase inicial e a partilha dos bens ainda não tenha sido feita. Tal situação pode impactar na liquidez do espólio e acarretar ônus já na abertura da sucessão.
Em relação aos legatários (beneficiários), a decisão garante mais previsibilidade e segurança econômica àqueles que dependem do legado de renda vitalícia para sua subsistência, sem a necessidade de aguardar os longos e imprevisíveis trâmites de um inventário para ter acesso aos recursos essenciais.
O acompanhamento de uma assessoria jurídica especializada, somado a um diálogo franco entre os envolvidos, é crucial para um planejamento sucessório bem estruturado, a fim de evitar conflitos e disputas desnecessárias, garantir a efetivação das disposições de última vontade do falecido e proteger os direitos das partes envolvidas.
O JCM Advogados Associados permanece atento a todas as novidades e decisões para mantê-los sempre atualizados e permanecemos à disposição para solucionar suas dúvidas sobre o tema.