Por: Clarissa Calais
A compreensão das tendências atuais que permeiam o direito, no tocante a este tema, pressupõe, antes, o entendimento do que é o instituto da prescrição, e como a pretensão é condição fundamental ao seu desenvolvimento.
Em linhas gerais, a prescrição pode ser compreendida como a perda do direito à pretensão, seja ela judicial ou extrajudicial, em razão do decurso de tempo. Já a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, isto é, é a faculdade conferida ao titular do direito, de exercê-lo.
Sob o panorama ora analisado, é possível dizer que, em que pese a existência do débito/dívida, o credor não mais possui o direito de ingressar com uma ação contra o devedor, para exigir que este pague o que deve. Isso porque o direito não socorre aos que dormem. Nessa lógica, estabelece-se o que, no direito, é conhecido como “shuld sem haftung”, que, em tradução livre, pode ser entendido como o débito sem a responsabilidade patrimonial, posto que coberta pelo manto da prescrição.
Nessa linha de ideias é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial de nº 2.094.3034/SP, entendeu que uma vez paralisada – a pretensão – em razão da prescrição, não será mais possível exigir o comportamento pretendido do devedor, ou seja, não será possível cobrar a dívida. Assim, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial, quanto a extrajudicial do débito.[1]
No caso analisado pelo Tribunal, a parte autora pretendia o reconhecimento da prescrição de uma dívida e, via de consequência, a declaração de sua inexigibilidade. Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente e, em segundo grau, após a interposição de recurso, concluiu-se pela impossibilidade de cobrança extrajudicial da dívida, tendo em vista o decurso do tempo e da instauração do instituto da prescrição.
À vista disso, quando submetido o caso à apreciação do STJ, firmou-se entendimento no sentido de que a pretensão é diferente do direito subjetivo. Isso porque, a primeira é o poder de exigir um comportamento, negativo ou positivo, da outra parte, enquanto o segundo a preexiste, isto é, o direito subjetivo é estático, e depende de ser violado para que “nasça” a pretensão. Em outras palavras, violado o direito, nasce para o titular a pretensão, que se extingue com a prescrição.
Assim, nas palavras da ministra Nancy Andrighi, como consequência de tal, seria possível a existência de um direito subjetivo sem pretensão, ou com pretensão paralisada.
Por este modo, o crédito, aqui compreendido como o direito subjetivo, persiste após a prescrição, o que, todavia, não é suficiente para que possa ser cobrado, seja judicialmente, por meio de uma ação, ou extrajudicialmente, via telefonemas, mensagens, e-mails, notificações extrajudiciais e entre outras formas de cobrança, tendo em vista que as vias são indiferentes, desde que haja o exercício da pretensão – ou seja, cobrar.
Nesse sentido, se o credor deixa de cobrar o devedor, vindo a transcorrer o prazo prescricional para tal – prazos esses previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil –, não será possível exigir que aquele cumpra com a sua contraprestação originalmente pactuada.
No entanto, importa dizer que não há óbice para que o devedor realize o pagamento, ainda que a dívida esteja prescrita. Seria o caso, por exemplo, em que o devedor não possui o dinheiro para quitar a dívida em dado momento mas, após capitalizar-se, opta por pagar, por não considerar justo “ficar devendo”. Tal fato não é considerado indevido e ou enriquecimento sem causa, já que o direito continua existindo, ainda que não possa ser exigido pela contraparte.
A questão toma contornos faticamente interessantes, quando da inserção de nomes dos “maus pagadores” nos cadastros de inadimplentes. Isso porque é de praxe que recebam cobranças/avisos, de que lá estão cadastrados, por, muitas vezes, dívidas já prescritas. Deste modo, é de suma importância que as cobranças se deem tempestivamente, sob pena de, se assim não o for, restar impossibilitado ao credor o recebimento do que lhe fora de direito, bem como para evitar que sofrera as consequências de eventual ação de negativação indevida, como o pagamento de indenização por dano moral.
[1] REsp 2.088.100 / REsp 2.094.303. Veja o inteiro teor em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202303109559&dt_publicacao=25/10/2023. Leia mais em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/22112023-Reconhecimento-da-prescricao-impede-cobranca-judicial-e-extrajudicial-da-divida.aspx