Por não se tratar de herança, Órgão Especial definiu que cobrança excede limites da Constituição estadual
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) declarou inconstitucional a incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (
ITCMD) nos planos conhecidos como Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), uma das modalidades de previdência privada previstas no Brasil. A tese fixada, de maneira unânime, foi a de que o valor não se trata de mera herança passada de um contratante a um beneficiário e sim de um seguro.
Até o Rio de Janeiro adotar o entendimento pela inconstitucionalidade da tributação pelo imposto estadual, apenas o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE)
já havia declarado a inconstitucionalidade de texto similar em âmbito estadual. Segundo advogados especializados em previdência privada, a tese já era aplicada em diversos estados, mas apenas a casos específicos e pontuais.
Neste caso, a proposta de inconstitucionalidade foi apresentada por uma associação de classe, que representa as empresas de capitalização e previdência aberta no estado. O grupo entrou com uma ação contra uma lei,
sancionada em dezembro de 2015, que regulamenta o ITCMD no Rio de Janeiro
.
O artigo 13, no inciso II da norma, categoriza as entidades de previdência complementar, bem como as sociedades seguradoras autorizadas, como responsáveis por recolher o imposto. O artigo 23 determina a base de cálculo dos ITCMD sobre os planos de VGBL e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), outra modalidade de previdência complementar.
Segundo a associação, o plano VGBL e outros planos assemelhados da espécie “seguro de vida” não integram o conceito legal de herança, e, por isso, quaisquer recursos nele aportados escapam à incidência do ITCMD, sendo ilegítima qualquer previsão legislativa nesse sentido. O texto aprovado pela Assembleia iria contra o
artigo 199 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, além de ir de encontro ao previsto no
artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN), que proíbe uma lei tributária de alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.
O Superior Tribunal de Justiça (
STJ), segundo a magistrada, também tem a jurisprudência pacífica no sentido de que o VGBL tem natureza contratual de seguro. “E, não sendo considerado herança, no VGBL não há fato gerador que dê ensejo à incidência do ITCMD, devendo, por isso, ser declarada a inconstitucionalidade do artigo”, completou a desembargadora.
O voto, acompanhado de maneira unânime pela corte, não alcançou os chamados planos PGBL. “A inconstitucionalidade somente é reconhecida no que diz respeito ao plano VGBL, uma vez que a previsão de responsável pela retenção do imposto, em princípio, não contraria dispositivos constitucionais”, concluiu.
Para o sócio do escritório Leoni Siqueira Guerra & Doin, Flavio Leoni Siqueira, a decisão do TJRJ mantém uma linha lógica de raciocínio. “O VGBL tem natureza jurídica de seguro e, pelas peculiaridades dele, quem contrata este produto adquire um produto de uma seguradora” explicou Leoni. “Quando uma seguradora paga o beneficiário, como o filho de um beneficiário falecido, ela está fazendo a contrapartida de um seguro. É um pecúlio e, por ser um pecúlio, não há transmissão”, lembrou o advogado.
“É uma tese já existente há algum tempo”, pontuou a sócia-fundadora da JCMB Consultores, Maria Inês Murgel. “E começou porque os estados, que antes não previam a incidência do ITCMD sobre planos de previdência privada, começaram a instituir leis prevendo expressamente a incidência tributária. Estas legislações estaduais, em muitas vezes, falam de ‘planos de previdência’ de uma forma genérica, e a legislação do Rio e de Sergipe citam expressamente o PGBL e VGBL. Por isto, esta tese veio à tona em ambos os estados”, concluiu.
Ambas as decisões, ressaltou Leoni Siqueira, são ações movidas por associações de classe – no caso, seguradoras. “E então o escopo do pedido não é específico, pedindo ao juiz que neste ou naquele VGBL não incida o ITCMD. Pede-se que considere o artigo da lei inconstitucional, como um todo”, complementou.
Guilherme Mendes – Repórter