Por vislumbrar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para suspender o julgamento de todos os processos em curso na Justiça do Trabalho que discutam o índice de correção a incidir sobre débitos trabalhistas resultantes de condenação judicial— a Taxa Referencial (TR) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Esses processos envolvem a aplicação dos artigos 879, parágrafo 7º, e 899, parágrafo 4º, da CLT, com a redação dada pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), e do artigo 39, caput e parágrafo 1º, da lei de desindexação da Economia (Lei 8.177/91). Os dispositivos, em suma, preveem que deve ser usada a TR.
A decisão de Gilmar Mendes foi tomada em sede de uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) n.º 58. Ela foi proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), com o objetivo de declarar a constitucionalidade da aplicação da TR para casos que se enquadrem na regra definida pela reforma trabalhista de 2017.
A associação reiterou o pedido de suspensão dos processos, diante da dificuldade de julgamento colegiado em curto prazo no STF, e enfatizou o “grave quadro de insegurança jurídica”, com perspectiva de agravamento em vista do posicionamento adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho que, sistematicamente, tem afastado a aplicação dos dispositivos objetos da ação, determinando a substituição da TR pelo IPCA como índice de atualização dos débitos trabalhistas.
No pedido, a Consif explica que no contexto atual de pandemia se destaca o “enriquecimento sem causa que a aplicação do IPCA + 12% a.a. gerará para o credor trabalhista, na medida do endividamento, também sem causa, do devedor trabalhista”.
Na condição de amicus curiae, a CNI – Confederação Nacional da Indústria afirmou que a adoção do IPCA-E em substituição à TR terá desdobramentos e repercussões extremas sobre as finanças das empresas, “já combalidas com a crise advinda da pandemia da covid-19”.
A liminar foi publicada no dia 27/06, poucos dias antes de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) retomar o julgamento sobre a correção monetária dos créditos trabalhistas. Na Corte, que analisaria o tema na próxima na segunda-feira (29/06), já se formou maioria no TST pela aplicação do IPCA, com 17 votos para afastar a TR.
Sem uma liminar do STF, de forma geral as execuções trabalhistas seguiriam em curso e, finalizado o julgamento do TST, seria aplicado o índice mais favorável aos trabalhadores.
Porém, com a liminar trazendo a determinação geral, os processos ficam suspensos até que o plenário do Supremo tome uma decisão definitiva na ADC 58.
Com a exclusão da ação do calendário de julgamento do STF e com a proximidade do recesso, a Consif afirmou que o periculum in mora se tornou ainda mais grave. A liminar foi deferida pelo relator, ministro Gilmar Mendes.
Segundo ele, julgamentos recentes do STF de sua relatoria demonstram a presença do fumus boni iuris. “As decisões da Justiça do Trabalho que afastam a aplicação dos artigos 879 e 899 da CLT, com a redação dada pela Reforma Trabalhista de 2017, além de não se amoldarem às decisões proferidas pelo STF nas ADIs 4.425 e 4.357, tampouco se adequam ao Tema 810 da sistemática de Repercussão Geral, no âmbito do qual se reconheceu a existência de questão constitucional quanto à aplicação da Lei 11.960/09 para correção monetária das condenações contra a Fazenda Pública antes da expedição de precatório”, disse.
Quanto ao periculum in mora, o ministro afirmou que o contexto da crise sanitária, econômica e social relacionadas à epidemia da Covid-19 e o início do julgamento da arguição de inconstitucionalidade no TST demonstram a urgência na concessão da tutela provisória incidental postulada pela confederação.
“As consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social. Diante da magnitude da crise, a escolha do índice de correção de débitos trabalhistas ganha ainda mais importância. Assim, para a garantia do princípio da segurança jurídica, entendo necessário o deferimento da medida pleiteada, de modo a suspender todos os processos que envolvam a aplicação dos dispositivos legais objeto das ADCs 58 e 59”, concluiu.
A decisão de Gilmar Mendes será oportunamente apreciada pelo Plenário da Corte.
Histórico TR x IPCA-E na Justiça do Trabalho
O TST decidiu em 2016 que o fator a ser usado em débitos trabalhistas é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Antes, o cálculo era feito pela TR.
A decisão do TST de quatro anos atrás baseou-se em julgados do STF, que declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalentes à TRD”, contida no artigo 39 da Lei da Desindexação da Economia (Lei 8.177/91). Embora os julgados do STF se referissem a casos de precatórios, a corte trabalhista, na ocasião, declarou a inconstitucionalidade “por arrastamento” da incidência de TR sobre débitos trabalhistas.
A reforma trabalhista de 2017 acrescentou novo capítulo à história, pois passou a determinar o uso da TR (no parágrafo 7º do artigo 879 da CLT, por exemplo). No ano passado, mais reviravolta: a MP 905 restabeleceu o IPCA-E. Mas ela foi revogada por outra MP (a 955), de 20/4/20.
Em março deste ano, uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou que o TST deve julgar novamente a questão, pois a corte trabalhista interpretou erroneamente precedentes do Supremo.
ANAMATRA vai recorrer
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) decidiu recorrer da decisão por meio de embargos declaratórios, requisitando ao ministro que esclareça o alcance da liminar por entender que haverá grande impacto nos processos da Justiça do Trabalho.
Para a presidente da Anamatra, juíza Noemia Porto, a decisão causa forte impacto em toda a seara trabalhista. “A Anamatra, embora respeite a independência funcional do ministro para proferir essa decisão, lamenta o resultado que, na prática, prejudica milhares de trabalhadores que já têm seu crédito reconhecido. E são, justamente, os mais necessitados. Essa é uma decisão que, concretamente, favorece os maiores devedores da Justiça do Trabalho, incluindo os bancos”, disse.
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