Em razão da pandemia de COVID-19 que o mundo está enfrentando, foi editada a MP 927, em 22.03.2020, e, em caráter complementar, a MP 928, no dia 23.03.2020, revogando parte da MP anterior (art. 18).
A MP 927 apresenta um regramento trabalhista específico para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido peloDecreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente de COVID-19, decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto naLei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Para conter a epidemia de COVID-19, o Governo Federal, Estados e Municípios têm adotado uma série de medidas restritivas para reduzir a circulação e aglomeração de pessoas, tais como proibição do funcionamento de casas de shows, boates, danceterias, salões de dança, feiras, exposições, congressos, seminários, shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas, cinemas, teatros, clubes, academias, clínicas de estética, salões de beleza, parques de diversão, parques temáticos, bares, restaurantes e lanchonetes.
As consequências financeiras decorrentes das citadas restrições impostas pelo protocolo de ação em nível global, para frear o ritmo de expansão do novo do COVID-19 serão duras. Por mais que haja esforço no sentido de procurar manter os negócios em andamento, não é possível precisar, em curto ou médio prazo, como estarão os mais variados setores da economia nacional. Se as grandes empresas vêm perdendo bilhões em valor de mercado, o que pensar do pequeno ou do médio empresário que, de uma hora para a outra, simplesmente não consegue mais produzir, vender e/ou entregar o serviço até então naturalmente prestado.
E se o período de suspensão das atividades empresariais se prorrogar, por ato da Autoridade Pública, a ponto de ocasionar a readequação do quadro funcional ou, até mesmo, a quebra da empresa, ensejando a rescisão de alguns ou de todos os contratos de trabalho? Neste contexto, como fica a situação dos patrões e trabalhadores frente aos efeitos da pandemia?
O contrato individual de trabalho pode extinguir-se por motivo alheio à vontade das partes e para o qual elas não concorreram, sendo compreendido como motivo de força maior (art. 501, caput da CLT). Por sua vez, não caracterizam a força maior: (a) a imprevidência do empregador; (b) os fatos que não afetam substancialmente, nem que são suscetíveis de afetar a situação econômica e financeira da empresa (art. 501, §§ 1º e 2º).
Além disso, a CLT disciplina a figura do factum principis,ou fato do príncipe, que émodalidade de força maior representada pela inviabilização das atividades empresariais em razão de ato unilateral de autoridade municipal, estatual ou federal, ou, ainda, pela promulgação de ato normativo (art. 486, CLT). A ocorrência do factum principis, portanto, se dá quando há imprevisibilidade e inevitabilidade, sendo certo que “a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior” (art.501,§ 1º,CLT).
Assim, caso reconhecida a existência de ato do poder público prejudicial à continuidade do negócio privado, emerge a figura do factum principis, o que importa na responsabilização do ente público pelo pagamento da indenização devida na rescisão.
A incidência do factum principis, pressupõe, necessariamente, o nexo causal entre o ato do poder público e os danos ou prejuízos daí advindos. Ou seja, uma vez que a medida restritiva imposta foi alheia à vontade da empresa, não poderia ser inserida nos riscos da atividade empresarial, consubstanciando o entendimento de que seria possível a aplicação do art. 486 da CLT, reconhecendo que o dever de indenizar é da autoridade que inviabilizou as atividades empresariais.
No caso de ocorrência do factum principis, a responsabilidade do Poder Público se restringiria apenas à indenização da multa do FGTS, as demais verbas rescisórias seriam devidas e pagas pelo empregador.
A jurisprudência apresenta pouquíssimos julgados deferindo ganho de causa com fulcro no factum principis, como condição de excludente da responsabilidade do empregador. No entanto, apesar de atualmente, na prática, o risco ser atribuído ao empregador, consoante art. 2º da CLT, a situação excepcional agora vivenciada poderá provocar alterações jurisprudenciais sobre o tema.
Considerando o cenário atual mundial, verifica-se que por onde passou, o COVID-19 ceifou vidas e impactou economias. E agora, no Brasil, o vírus anuncia uma crise na saúde e uma recessão econômica sem precedentes, e deixa um dilema ao gestor público local: o que fazer?
Apesar da literalidade do referido dispositivo legal, as medidas restritivas impostas pelo Governo Federal, Estados e Municípios para reduzir a circulação e aglomeração de pessoas não decorrem, em tese, de ato discricionário da autoridade pública ou por simples conveniência, uma vez que tais medidas foram tomadas levando-se em consideração a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde, de 30 de janeiro de 2020, em decorrência da infecção humana pelo novo COVID-19, bem como as recomendações expedidas pelo Ministério da Saúde em 13 de março de 2020. Portanto, sob essa ótica, não seria aplicável o art. 486 da CLT em um cenário de pandemia, como o atual.
A Constituição Federal proclamou, em seu preâmbulo, a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais. Dessa forma, compreende-se que proteger a população e velar pelos interesses da sociedade não é uma escolha, e sim um dever, não gozando o gestor público de discricionariedade para tal.
Portanto, diante da análise do caso concreto, e observando o seu caráter excepcional, seria pertinente considerar que as medidas restritivas até então adotadas, são consequência de uma necessidade imperiosa de enfrentamento do novo vírus, com o intuito de evitar a sobrecarga dos sistemas de saúde e a proliferação da vírus, sendo difícil, mas não impossível, a aplicação da hipótese prevista no art. 486 da CLT.
Como se vê, não há de forma expressa um rol exemplificativo que permita, neste momento, uma conclusão consolidada sobre o tema. Um entendimento predominante será fruto de construção jurisprudencial do caso concreto e de interpretação do artigo 486 da CLT.
Certamente, os debates envolvendo a responsabilidade civil e trabalhista em decorrência de ato unilateral de autoridade municipal, estatual ou federal, pelos danos econômicos causados pela suspensão da atividade empresarial em virtude da situação de calamidade pública oriunda da pandemia de COVID-19, ainda vão desafiar, e muito, os operadores do Direito.
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