Por Sidneia Santos, advogada da equipe Tributária da JCM/BH
O Sistema Tributário Brasileiro é complexo, esse é o entendimento unânime de juristas e doutrinadores. Existem muitas legislações, muitos tipos de tributos, muitas obrigações acessórias a serem cumpridas, e isso ocorre em todas as esferas (municipal, estadual e federal). O sistema vigente afugenta muitos investidores, pois não há clareza de seu funcionamento, além da complexidade em atender a todos os entes.
Por essas e outras razões, dentre elas a grave crise econômica pela qual passou e da qual está tentando se erguer o País, há um forte movimento favorável à reforma tributária, em busca do reequilíbrio das contas públicas e da aceleração da economia brasileira.
Após a reforma da previdência, a reforma tributária vem ganhando força, pois verifica-se que a atual carga tributária onera a classe mais pobre do país, uma vez que a carga tributária de grande peso é sobre o consumo e não sobre a renda e a propriedade, o que torna a reforma tributária sobre o consumo de extrema urgência.
A reforma tributária é urgente, visto que o sistema atual não consegue observar os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da igualdade, da solidariedade social, da legalidade e da progressividade.
E, como o Direito Tributário é uma ferramenta para reduzir a pobreza e as disparidades sociais e regionais existentes no país, respeitando-se a Constituição Federal, nada mais justo que adequá-lo para tornar a sociedade mais equânime, fraterna, minorando, desse modo, as desigualdades sociais e regionais do país.
A desigualdade de renda do Brasil está entre a pior do mundo segundo a OCDE[1], apesar de sua redução desde o início do século 21. Esse dado contribui para que a sociedade civil e os governantes se mantenham empenhados na realização da reforma tributária, pois é ela que irá fazer com que o país reduza cada vez mais essa desigualdade, não há dúvidas.
A redução da desigualdade de renda depende de uma justiça fiscal efetiva, em que o Estado precisa arrecadar tributos, principal fonte de receitas, e aplicá-las na concretização de projetos que minorem essa desigualdade, com tributação daqueles que realmente têm condições financeiras de ser tributados, e não no sistema atual, em que as pessoas de baixa renda são as mais sacrificadas pela tributação.
Portanto, não há como negar que a tributação é de suma importância para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país, mas essa tributação deve ser mais bem distribuída, desonerando os menos abastados financeiramente.
Assim, por se verificar que o sistema tributário atual não tem alcançado tais finalidades, já há algum tempo, iniciou-se um movimento para modificar o sistema tributário brasileiro, com a finalidade de simplificá-lo, torná-lo mais eficiente e menos agressivo, considerado um dos piores do mundo. Inclusive, segundo o relatório do Banco Mundial de 2018[2],o Brasil é o país em que as empresas mais gastam tempo e recurso no pagamento de impostos, dificultando, assim, o surgimento de novos negócios.
O sistema tributário atual assusta e afugenta investidores. A legislação complexa, todos os entes federativos legislam, instituem tributos e impõem obrigações acessórias de difícil atendimento. Isso não é novidade para ninguém.
E com o fim de simplificar a legislação tributária, dar maior racionalidade econômica, com aumento da eficiência econômica e da produtividade, reduzir as obrigações acessórias, uma vez que mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre o consumo, têm surgido várias propostas de reforma tributária, cujo objetivo é simplificar, tornar o sistema tributário mais justo e racionalizar a tributação sobre a produção, comercialização e a prestação de serviços.
Dentre as propostas de reformas, há a PEC 45/19, que originou na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/19, originária do Senado Federal.
A PEC 45/19 prevê a substituição de três tributos federais (IPI, COFINS, PIS/PASEP), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), por um único, denominado de IBS (Imposto sobre bens e serviços), de competência estadual, cuja finalidade é a redução da tributação do consumo, desonerando a classe mais pobre. Além do IBS, a PEC 45/19 propõe a instituição do IS (Imposto seletivo), que é seletivo, de competência federal, e que incidirá sobre as externalidades negativas, como cigarros e bebidas alcoólicas.
Essa proposta já foi apresentada à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, em abril/19. Em julho, foi instalada a Comissão especial para elaboração do parecer, visando a seu envio para votação em plenário e para dar sequência às demais etapas do processo legislativo que são: apresentação do relatório, votação na comissão especial, duas rodadas de votação no plenário da Câmara, com a aprovação mínima de 3/5 dos deputados, análise da proposta pelo CCJ do Senado Federal e, se for aprovada, vai para duas votações no plenário do Senado (3/5). E, ainda, se for aprovada, sem modificação no texto, será promulgada, mas, se o texto for modificado, o trâmite de aprovação recomeçará.
`Há também a proposta PEC 110/19, que é do Senado e tem como origem a PEC 293-A. Tem por objetivo a extinção de nove tributos, sendo sete federais (IPI, IOF, CSLL, PIS/PASEP, COFINS, CIDE e salário-educação), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Nos moldes da PEC 45/19, prevê a criação do Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e o Imposto Seletivo (IS), de competência federal.
Na PEC 110/09, de acordo com os seus propositores, não haverá tributação sobre medicamentos e alimentos pelo IBS, e o IS incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e derivados, cigarros, energia elétrica e serviços de telecomunicação.
Essa proposta, diferente da PEC 45/19, está em fase inicial, sendo que foi apresentada no Senado e o próximo passo é apresentá-la na CCJ do Senado, seguindo com as demais fases do processo legislativo, quais sejam: votação no plenário do Senado, CCJ da Câmara, comissão especial, votação no plenário da Câmara e promulgação, e como a PEC 45/19, qualquer mudança no texto por uma das casas legislativas, fará com que as propostas reiniciem os trâmites de sua aprovação.
Por fim, vale mencionar a proposta a ser apresentada pelo Governo Federal, que prevê a unificação de cinco a seis tributos (IPI, PIS/PASEP, COFINS, CSLL e contribuição empresarial sobre a folha de salário) em um único, com alíquota mais baixa, criando-se o Imposto sobre valor agregado (IVA federal). Não se pretende mexer no imposto estadual (ICMS) e no municipal (ISS).
Essa proposta tem por pretensão a criação do imposto sobre transações financeiras, justificando-o com a extinção da tributação da folha. Todavia, essa é a proposta que mais enfrenta resistência da sociedade e dos governistas, uma vez que um tributo sobre transações financeiras se assemelha à antiga e extinta CPMF. Além disso, essa proposta, em vista da PEC 45/19 e PEC 110/19, está bem atrasada, pois sequer foi apresentada na Câmara.
Desse modo, o que se vê diante das propostas apresentadas e daquela sobre a qual há comentários de que ainda será apresentada, é que muitos querem ganhar e não querem perder e sabe-se que, para se chegar ao consenso, é preciso ceder.
Portanto, é preciso o engajamento da sociedade civil e dos governistas para se alcançar o discurso da simplificação da tributação, da efetivação da justiça fiscal, com foco na segurança jurídica, nos princípios constitucionais, na coerência e na estabilidade do sistema tributário brasileiro, para que o país possa receber investimentos e se desenvolver cada vez mais. Qualquer das propostas de reforma tributária não pode afetar de forma negativa as atividades produtivas.
Espera-se, assim, que diante do contexto histórico do Brasil, em termos de tributação, a classe política tenha maturidade para colocar seus interesses políticos de lado e unificar o que de melhor há nas três propostas apresentadas, com o fim único de realizar a justiça fiscal e alavancar o desenvolvimento do Brasil, com atração de mais investimentos.
[1]http://www.oecd.org/latin-america/Active-with-Brazil-Port.pdf. Acesso: 16 de ago. 2019.
[2]https://portugues.doingbusiness.org/pt/rankings. Acesso em: 16 de ago. 2019.