O Supremo Tribunal Federal (STF) tem anulado decisões judiciais contrárias a cláusulas em convenções coletivas negociadas com sindicatos que flexibilizam direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente. Em pelo menos oito casos, ministros decidiram cassar sentenças ou acórdãos e determinaram a suspensão dos processos até que seja decidido, em repercussão geral, se o negociado deve prevalecer sobre o legislado, o que passou a ser previsto na reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017).
As decisões foram dadas em reclamações levadas ao STF. Nos pedidos, as partes argumentam que os juízes continuaram julgando os processos mesmo com a determinação do relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, em julho de 2019, para suspensão de todos os casos no país. Hoje, segundo o sistema de jurimetria Data Lawyer, são mais de 625 mil ações em tramitação, com valor total de R$ 49,5 bilhões – a estimativa só envolve os processos eletrônicos, de 2014 em diante.
O julgamento no STF ainda não tem data marcada (ARE 1121633). Mas há um histórico recente de decisões de mérito, desde 2015, que privilegiam o que foi acordado com sindicatos, ainda que flexibilizem as normas trabalhistas. Porém, só em 2017, com a Lei nº 13.467, é que ficou expresso, por meio do artigo 611 -A, que deve prevalecer o negociado sobre o legislado.
Uma das reclamações (Rcl 41902) foi analisada pela ministra Cármen Lúcia. Ela cassou decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Sul. Os desembargadores tinham anulado a eficácia de uma cláusula em convenção coletiva de trabalho que impedia o uso de celular para controle de jornada de propagandistas – que oferecem produtos farmacêuticos a médicos. Ao anular a cláusula, os julgadores determinavam o pagamento de horas extras a um vendedor de indústria farmacêutica.
A ministra afirma que a decisão do TRT foi proferida no dia 26 de maio, depois de o ministro Gilmar Mendes ter determinado a suspensão de todos os processos pendentes. Para ela, o regional, “de forma oblíqua”, negou-se a aplicar validade da cláusula de convenção coletiva, quando “deveria ter resultado na imediata suspensão do processo”.
Em sua decisão, Cármen Lúcia cita reclamações analisadas por outros ministros. Em sete outros casos, foram suspensos processos contra uma mesma indústria de automóveis. As ações tratam de cláusula firmada com sindicato de trabalhadores que estabelecia turnos ininterruptos de revezamento, com jornada acima de oito horas diárias.
Em quatro pedidos, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu processos que continuavam tramitando no Tribunal Superior do Trabalho (Rcl 36890, Rcl 36993, Rcl 37899 e Rcl 37900). O ministro Edson Fachin também paralisou a tramitação de dois processos semelhantes no TST (Rcl 37788 e Rcl 37943) e um outro na 1ª Vara do Trabalho de Betim (Rcl 37397), em Minas Gerais. Todos agora aguardam a decisão do Pleno do STF.
O caso que será analisado no Pleno do TST é de uma mineradora que tem cláusula firmada em acordo coletivo para não computar como jornada de trabalho as horas in itinere (de percurso), em transporte fornecido pela empresa. O ministro Gilmar Mendes resolveu sobrestar as ações ao admitir a participação da Confederação Nacional da Industria (CNI) como amicus curiae no processo (parte interessada).
A tendência é que o Pleno confirme sua jurisprudência no sentido de entender que pode ser negociado qualquer direito que não tenha referência direta na Constituição.
Fonte: Valor Econômico