Por Adriana Aguiar | De São Paulo
A Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deu uma primeira decisão favorável aos contribuintes que amortizam ágio e não adicionam o valor na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Na prática, o entendimento permite que se obtenha o valor referente ao tributo – 9% sobre o amortizado – antes mesmo do prazo legal de cinco anos para aproveitamento do benefício. Esses valores podem ser significativos, já que as operações costumam envolver grandes companhias.
O ágio consiste em um montante pago, geralmente, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Ao ser registrado como despesa no balanço da companhia e amortizado, em cinco anos consecutivos, reduz o valor a pagar do Imposto de Renda (IR) e da CSLL.
Nessa operação, há regra clara para o Imposto de Renda no sentido de que o valor amortizado tem que ser adicionado na base de cálculo para fins contábeis com o objetivo de neutralizar os efeitos até o efetivo aproveitamento fiscal do ágio. Para a CSLL, porém, não há uma norma específica, o que leva contribuintes a questionar a questão administrativamente.
A decisão é importante porque permite a amortização antecipada do ágio referente à CSLL, segundo a advogada Thaís Meira, do BMA Advogados. “Essa decisão autoriza o aproveitamento para fins contábeis antes mesmo da incorporação”, afirma.
O caso julgado no Carf envolve a Valepar, holding que controla a mineradora Vale. A companhia foi autuada por ter feito, no período de 2004 a 2007, amortizações anuais de ágio no valor de R$ 240 milhões sem adicioná-las na base da CSLL. Foram lançadas regularmente apenas ao lucro líquido para apuração do lucro real.
O ágio foi decorrente de participação mantida na investidora. Ou seja, na aquisição de investimentos avaliados por equivalência patrimonial – método que consiste em atualizar o valor contábil do investimento ao valor equivalente à participação societária da sociedade investidora no patrimônio líquido da sociedade investida.
A empresa alegou que não fez a adição porque não há imposição legal, o que foi aceito pela maioria dos conselheiros do Carf. A Receita Federal, porém, tem autuado contribuintes com a alegação de que o Regulamento do Imposto de Renda (RIR), de 1999, determina a adição à base de cálculo do valor amortizado, para se obter a neutralidade tributária. E que esse mecanismo deveria ser aplicado também à CSLL.
De acordo com a decisão, “a amortização contábil do ágio impacta (reduz) o lucro líquido do exercício. Havendo determinação legal expressa para que ela não seja computada na determinação do lucro real, o respectivo valor deve ser adicionado no Lalur [Livro de Apuração do Lucro Real], aumentando, portanto, a base tributável”. Ainda segundo a decisão, “não há, porém, previsão no mesmo sentido, no que se refere à base de cálculo da Contribuição Social, o que, a nosso sentir, torna insubsistente a adição feita de ofício pela autoridade lançadora”.
Nas câmaras baixas do Carf, existem decisões recentes a favor de outras grandes companhias – como a Telemar Norte Leste, Cemig e BB Banco de Investimento. Há, porém, entendimento contrário, proferido em 2014 em processo do Bradesco, o que demonstra que ainda há certa controvérsia sobre o tema.
Mas a maioria das decisões é favorável aos contribuintes, segundo a advogada Thaís Françoso, do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso, Petros Advogados. “O que agora foi confirmado nesse primeiro julgamento da Câmara Superior”, diz.
Como não há lei específica determinando a adição no caso da CSLL, o advogado Pedro Moreira, do CM Advogados, afirma que a decisão da Câmara Superior é acertada. “As normas tributárias que restringem direitos não podem ser interpretadas de forma ampliativa, de modo que é justo e legítimo o cancelamento do lançamento tributário”, afirma. “É um importantíssimo precedente e que serve de paradigma em favor dos contribuintes.”
Apesar de o caso julgado tratar de ágio na aquisição de investimentos avaliados por equivalência patrimonial, os advogados Thaís Meira, do BMA, e Diego Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli Advogados, acreditam que a decisão serve de precedente para todos os casos em que se discute amortização de ágio, independentemente do seu tipo.
“O raciocínio seria o mesmo e já existe decisão das câmaras inferiores nesse mesmo sentido para ágio em incorporação”, diz Miguita. E esse entendimento, acrescentam os advogados, poderá ser estendido para outras discussões que tratam da dedutibilidade da CSLL.
Por nota, o procurador Marco Aurélio Zortea Marques, da Fazenda Nacional, ressalta que a decisão ainda não é definitiva e que será apresentado recurso (embargos de declaração), “pois, a nosso ver, a decisão apresenta vícios de julgamento que precisam ser sanados”.
Independentemente de a decisão ser alterada ou não, o procurador afirma que deve insistir na discussão do tema, “pois entendemos que a legislação tributária prevê, como regra geral, a indedutibilidade da despesa de amortização de ágio na apuração da base de cálculo da CSLL (necessidade de adição), tal como ocorre na apuração do lucro real”.
Segundo Marques, a indedutibilidade do ágio na apuração da CSLL, “além de contar com previsão normativa, decorre da própria natureza do ágio como registro do Método de Equivalência Patrimonial (MEP), o qual, via de regra, é tributariamente neutro. E, nesse sentido, há várias decisões do Carf que atestam o nosso entendimento”.
Procurada pelo Valor, a Vale preferiu não se manifestar.